CENA – Que disco é este? Zé Manoel dá som a uma imaginação antirracista em “Do Meu Coração Nu”

CENA – Que disco é este? Zé Manoel dá som a uma imaginação antirracista em “Do Meu Coração Nu” Foto: divulgação

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A semana lá no nosso Top 50 da CENA tem na liderança do cantor e pianista pernambucano Zé Manoel. Quem já leu (e/ou escutou) viu que saímos rasgando elogios ao álbum “Do Meu Coração Nu”, seu terceiro álbum, lançado no final de outubro.

Mas o que chamou a nossa a atenção no novo trabalho do Zé? Arriscamos uma ideia mais longa sobre o disco após trocar umas palavras com o próprio músico, que é de Petrolina, mas há algum tempo instalado em Recife.

Afinal, que disco é este?

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Entender o racismo estrutural no Brasil é compreender que o racismo é parte de diversas peças da nossa sociedade. Enquanto essas peças estiverem por aí, não há solução. É se ligar também que essa engenharia é tão complexa que contamina até algumas dessas peças que não são essencialmente racistas, como o nosso imaginário, por exemplo. Conseguimos imaginar mundos onde o racismo não existe? Quantas obras de ficção solucionam o racismo? Pense aí. Até a ficção, nossa maior arma contra a realidade, tem dificuldade em pensar mundos que resolveram o racismo.

Em “Do Meu Coração Nu”, Zé Manoel avança justamente por essa questão e luta por um imaginário antirracista. Já na primeira faixa, “História Antiga”, o músico apresenta um personagem que relembra um mundo distante, de políticas ultrapassadas, onde negros são mortos por conta de sua cor por um estado genocida.

O passado distante, no caso, é 2019. Na canção, Zé está em um futuro construído por negros, indígenas e outros povos marginalizados do Brasil, onde a justiça de Xangô destruiu o racismo. Um lugar onde a canção já é capaz de proteger um corpo negro. Uma canção que defende a força das canções justamente na construção de novos imaginários.

A partir desse novo mundo, Zé avança no álbum superbemcosturado, em que escolheu não exatamente “falar sobre o racismo, mas sobre o que é ser preto no Brasil”. E é mudando esse ponto-chave da percepção que somos convidados a refletir sobre diversas questões.

Pelo “Rio da Lembrança”, a segunda faixa, sobre medos, memórias e ancestralidade, chegamos a “Escuta Beatriz Nascimento”, a terceira faixa, onde um piano triste dá chão para a fala da pensadora sobre a história do Brasil ter sido escrita pelo brancos que negligenciam e deformam a história do negro no Brasil. Da fala de Beatriz vamos a “Nostre Historie”, onde Zé em parceria com Stephane San Juan, reivindica o direito de saber e poder contar sua história, entender de onde exatamente vieram seus parentes.

E, exatamente pelo direito de poder contar sua história, Zé abre espaço para quatro canções de amor. Seja ele romântico (“Não Negue Ternura”), preocupado com o filho que ainda não voltou para casa (“Pra Iluminar O Rolê”), seja ele no fim do amor (“Canto Pra Subir”). Esse conjunto de canções reforça a ideia de Zé em criar retratos do negros longe dos arquétipos de sempre. “Em muitas obras, o negros não é uma pessoa, é um personagem folclórico. Ou muito alegre, ou hiperssexualizado, violento… Não é uma pessoa como qualquer outra. Queria trazer a multiplicidade que nos atravessa como pessoas pretas”.

Mas não são só as letras que mandam recados. A multiplicidade está na música também. Referências aos Tincoãs, a Moacir Santos, Nina Simone, Paulo Diniz estão bem colocadas pelas músicas. Encontra o ouvinte que sabe das coisas e abre a curiosidade de quem ainda não navegou por esses mares. Daí que ganha sentido uma faixa que se resume a um áudio de Whatsapp do maestro Letieres Leite. Na fala, ele manda: “Toda música brasileira é afrobrasileira”. Luiz Gonzaga, Tom Jobim, João Gilberto, ele explica, todos são influenciados.

Ainda que seja seu terceiro álbum, Zé revela que sente como se fosse o primeiro, por conta da experiência adquirida que lhe dá liberdade e segurança na produção. Não que ele não goste de seus discos anteriores ou que o tema deste último disco seja uma novidade para ele. “Não falaria sobre isso se não me sentisse à vontade de conversar sobre o assunto em entrevista, por exemplo”, afirma o músico.

Cura é justamente um dos assuntos da faixa que encerra o álbum, “Adupé Obaluaê”. Luisão Pereira, produtor do trabalho (que passou por um problema de saúde logo no começo da produção do disco, se recuperou e voltou a tempo de finalizá-lo), define que Zé é a cura para muita coisa. Um agradecimento pessoal de sentidos amplificados. Zé trabalha pela cura da imaginação. Canções podem salvar pessoas, sim.

*** Este texto é do poploader Vinícius Félix, que co-edita semanalmente o Top 50 da Cena, da Popload.

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Postado por Lucio Ribeiro   dia 30/11/2020
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