CENA – Que filme é este? Emicida reconta a história do Brasil em “É Tudo pra Ontem”. Da forma certa

CENA – Que filme é este? Emicida reconta a história do Brasil em “É Tudo pra Ontem”. Da forma certa Foto: divulgação

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* Vamos ser sinceros. Não tem texto feito em tamanha pressa que dê conta de “É Tudo pra Ontem”. O filme de Emicida, lançado na Netflix nesta terça-feira, merece uma análise muito mais cuidadosa do que a nossa, escrita poucas horas após ver o filme, ainda no calor da emoção, perto das lágrimas após rir da história que está nos créditos. Uma história sobre uma certa volta tumultuada do Criador à terra, um texto maravilhoso lido por Gilberto Gil que está no livro “A Vida Não É Útil”, de Aílton Krenak.

Mas tentaremos.

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É simbólico que o filme comece com cenas gravadas toscamente no início da carreira de Emicida, nos tempos das rinhas de MCs. Mal dá para entender o que ele canta ali. Era o que as condições de grana da época permitiam. Postas ao lado de uma imagem em altíssima definição do mesmo Emicida no palco do Teatro Municipal está dado o recado de que algo ele fez nesse meio-tempo.

Mas seu filme não é só sobre sua trajetória pessoal. A rememoração ambicionada por Emicida não é meramente descritiva, muito menos individual. Ele quer refundar a memória de uma maneira muito mais ampla. Quem vê o filme vai passar a enxergar outro Emicida, outro samba, outra São Paulo. Talvez até passe a se entender de outra forma.

Essa intenção está dada no ditado iorubá que ele conta logo no começo: “Exu matou um pássaro ontem, com a pedra que arremessou hoje”. Para entender melhor a frase recorremos a um texto de Flávia Oliveira, no qual ela busca em Nei Lopes uma explicação sobre Exu (“Ele é o mensageiro, porta-voz, intérprete”) e em Renato Noguera o sentido do ditado: “É o orixá que abre caminho para o acontecimento. Na mitologia, quando joga a pedra por trás do ombro e mata o pássaro no dia anterior, Exu reinventa o passado. Ensina que as coisas podem ser reinauguradas a qualquer momento”.

Daí em diante, temos Emicida nos bastidores da construção do seu álbum “Amarelo” (lançado em outubro de 2019). Um outro filme, no caso, com enredo próprio _ sobre o qual já arriscamos uma ideia também. Ao mesmo tempo, vamos recebendo uma tonelada de informações sobre Pixinguinha, Joaquim Pinto de Oliveira, Lélia Gonzalez, Wilson da Neves _ a lista de referências lançadas no filme é uma faculdade.

A história do Brasil fica menos embranquecida, mais perto da realidade. Com esse universo de pensadores negros que são fundamentais na construção do país e que poucas vezes ganharam uma narrativa que dá a dimensão de seu trabalho e suas profundas conexões, temos um novo imaginário para enfrentar estes tempos difíceis. No doc, pouco antes de contar sobre a pandemia, Emicida resume: ele é parte de um sonho antigo.

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Quando ele relembra que os Oito Batutas se reuniram em um cinema francês para espantar o medo das pessoas com o fim da gripe espanhola, é impossível não pensar em cinema lotados com esse filme rolando para espantar nosso medo atual. Essa é a construção.

Emicida sabe que corre pelas ruas um filme ainda incompleto. “É Tudo pra Ontem” faz uma sugestão, um chamado nesse sentido. Sejamos os curiosos da frase de Mário de Andrade que abre essa história. Quando descobrimos que não estamos tão sós, podemos ser um sonho.

Porque as notas que compõem a estrutura do doc, todos esses grandes personagens negros tantas vezes apagados reapresentados por Emicida, até agora dão em um acorde em suspensão. Mas também são notas que estão em movimento para que as outras notas cheguem ali perto e juntas possam soar como um acorde maior. Maior que qualquer coisa já vista.

Emicida é um dos maestros dessa recomposição e te convida para trabalhar junto nessa ideia.

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* Este texto é do poploader Vinicius Felix, que co-edita semanalmente o Top 50 da Cena, da Popload.

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Postado por Lucio Ribeiro   dia 08/12/2020
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