Lynchomania – A música nova em “Twin Peaks”

>>

* A série “Twin Peaks” é muito loka. No sentido de loucura mesmo e no sentido de que quase todo episódio tem banda boa se apresentando ao vivo. Reproduzo abaixo um texto que eu fiz para a “Folha de S.Paulo” de hoje, capa do caderno Ilustrada, sobre como o diretor David Lynch trabalha a música nova no seriado dos três agentes Cooper.

BangBangBar

* Você pode não estar entendendo p*rra nenhuma do que acontece na trama dos atuais episódios de “Twin Peaks”, a retomada da famosa série dos anos 90 dirigida pelo muuuuuito imaginativo David Lynch, em cartaz na Netflix. Mas uma coisa dá para absorver desta reinvenção do seriado que há 27 anos botou a televisão de cabeça para baixo: Lynch segue muito amigo da música independente.

O cineasta, diretor, produtor, fotógrafo, escritor, pintor, dono de clube, proprietário de gravadora e, ainda, músico americano (com álbuns, EP e singles lançados sob seu nome envolvendo artistas da nova safra) tem colocado uma banda nova ou uma banda não-tão-nova-tocando-música-nova para se apresentar ao vivo dos episódios correntes da “Twin Peaks” atual, que entra às segundas-feiras na Netflix brasileira.

Dos sete episódios mostrados até agora, cinco deles têm um grupo tocando no palco do Bang Bang Bar, enquanto a história se desenrola e personagens antigos e recentes interagem com drinks em meio à música, até os créditos finais subirem. E outras bandas, sabe-se, terão sua vez no palco dentro da série. É praticamente um videoclipe dirigido por David Lynch.

No episódio duplo de estreia da nova “Twin Peaks”, no final de maio, o grupo Chromatics, banda de dream pop de Portland capitaneada pelo multiinstrumentista, multibanda e artista visual Johnny Jewel e que tem a loira Ruth Radelet fazendo vocais etéreos, apareceu na taverna de beira de estrada do seriado desempenhando seu single “Shadow”. A gente deu aqui na Popload, no dia.
A música, que deve estar no quinto álbum da banda, a ser lançado neste ano pelo selo de Jewel, o hypado Italians Do It Better, foi mostrada em 2015, mas ganhou relançamento agora para aproveitar o oba-oba em torno de “Twin Peaks”. O Chromatics ainda fez performance na festa de lançamento do seriado, em Los Angeles, no dia em que a Netflix liberou “Twin Peaks” para os EUA. E surfando a onda do seriado do Lynch, aproveitaram para lançar o vídeo oficial da música.

O episódio 3 trouxe ao Bang Bang Bar a insólita dupla de irmãos Jack Torrey e Page Burkum, dois violonistas que formam o grupo Cactus Blossoms, de Minneapolis, donos de uma sonoridade que mistura uma antiga americana com o folk moderno indie atual. Em “Twin Peaks”, os irmãos, com uma banda completa de fundo, tocam a música “Mississippi” para o povo do seriado dançar no bar da estrada. A canção faz parte do álbum de estreia do Cactus Blossoms, “You’re Dreaming”, lançado no ano passado com certo barulho no underground americano, mas que recentemente ganhou um adesivo na capa dizendo “contém ‘Mississippi’, apresentada em “Twin Peaks’”.

O quarto episódio teve a distinta presença musical da banda Au Revoir Simone, trio de garotas do Brooklyn, Nova York, na cena desde 2006. Enfileiradas no palco, cada uma na frente de um teclado, Erika Forster, Annie Hart e Heather D’Angelo foram buscar no segundo álbum delas, “The Bird of Music”, a bela e viajante “Lark”, para desempenhá-la ao vivo no palco do Bang Bang.

Em um nepotismo musicalmente bem-vindo, o filho de Lynch, Riley, apareceu com sua banda Trouble no quinto episódio. Dona de um chamado “R&B noir” estiloso, o Trouble é um recém-formado trio instrumental que tem apenas um single lançado, exatamente “Snake Eyes”, a música tocada em “Twin Peaks”. Além de Riley Lynch, a banda tem, no saxofone, o talentoso guitarrista (!) Alex Zhang Hungtai, nascido taiwanês e crescido canadense, frequentador do verdadeiro underground americano faz uns quatro anos, tocando seu som bizarro em bares minúsculos, festas fashion e até em museus, com o codinome Dirty Beaches. Do Trouble, faz parte ainda o baterista Dean Hurley, cuja ocupação principal é ser engenheiro de som e supervisor musical de David Lynch há anos. “Snake Eyes” é a música que mais toca nessa parte final do seriado, entre todas. Ela vira fundo sonoro de uma cena protagonizada por um bad boy aparentemente envolvido com coisas ilícitas e apavorando menininhas no Bang Bang.

Musa indie americana, Sharon Van Etten foi a convidada de David Lynch para o encerramento musical do episódio seis e botou um pouco de calmaria na trama doida de Lynch. Com “Tarifa”, de seu aclamado último álbum “Are We There”, de 2014 (ela lança disco novo agora em 2017), Van Etten botou os frequentadores do Bang Bang para dançar juntinho.

No episódio 7, o desta semana, não tem música ao vivo no Bang Bang. Mas o bar aparece em cena, com pouca luz e alguém varrendo seu chão por loooooongos 3,30 minutos, com um blues ao fundo. Apenas isso. Até que o telefone toca e o bartenders conversa sobre duas meninas de 15 anos “classe A” que ele mandou para alguém e agora quer o dinheiro pelos serviços prestados. E a música para de tocar.

Mas, já que nesta semana não teve música e sim a varreção do Bang Bang, a galera não aguentou e fez remix da cena. E os 3,30 min viraram mais de uma hora do cara e a vassoura. Apenas.

Enfim. Principalmente para quem gosta de música, a pergunta agora em “Twin Peaks” obviamente deixou de ser “Quem matou Laura Palmer?” para virar “Qual banda vai tocar no próximo episódio?”

>>

MITSKI – horizontal miolo página
MITSKI – inner fixed
Editora Terreno Estranho – inner fixed mobile