* “An Evening with Silk Sonic”, primeiro álbum do superduo que traz Bruno Mars e Anderson .Paak, não pode ser encarado como um “lançamento normal”. O disco, que saiu sexta-feira, traz, afinal de contas, de um lado BRUNO MARS. E, do outro, ANDERSON .PAAK, senhoras e senhores.
Mal comparando, desculpe por isso, seria o mesmo que, no indie rock, os Strokes se juntassem aos Arctic Monkeys em 2008 para fazerem uma banda só para fazerem uma formação que homenageasse os Beatles.
E quem melhor para explicar a verdadeira dimensão dessa dupla ou desse disco do que nossa parceira mineira visionária e revisionária Dora Guerra, dona da esperta newsletter Semibreve?
Quem, hein? QUEM?
Seda pura.
Quem decidiu o nome “Silk Sonic”, por mais direto e levemente cafona que seja, acertou em cheio. A nova dupla, formada por Bruno Mars e Anderson .Paak – dois artistas de proporções gigantescas na música pop mundial –, é exatamente o que você esperaria. Mas, quando o resultado te arranca um sorrisinho, importa se é previsível?
É que, partindo das mesmíssimas influências – aquele soul à la Motown, que mistura breguice, paixão e sensualidade em uma fórmula imbatível –, Mars e .Paak nasceram um para o outro.
Desde pequeno, Bruno Mars é um emulador: quando criança, imitava Elvis Presley e Michael Jackson com sua família em uma atração de cruzeiros. Sua natureza é exatamente essa, a de ser um excelente performer que deixa suas influências escancaradas, desenhadas para quem quiser ver. Suas maiores qualidades esbarram frente a frente com seus defeitos; para apreciar a música de Bruno Mars, você não pode questioná-la demais – só deixar entrar.
Já seu colega Anderson .Paak – que em Silk Sonic serve meio como wingman, meio como membro do mesmo grupo musical – tem uma carreira levemente distinta: apesar de também ser fortemente atravessado por suas referências, .Paak busca disfarçá-las com sua bateria e sorriso infalíveis. Encare desta forma: Mars quer que você o veja ao lado de seus ídolos, um contemporâneo deles; .Paak quer que você o veja como um artista moderno, que leva o legado deles adiante.
Por isso, com risada solta e perfeitamente coreografados, ambos se potencializam – não como opostos-complementares, mas como “quase iguais”-complementares.
Quando você coloca os dois na mesma balança, o resultado pesa para o lado de Mars: “An Evening with Silk Sonic” soa, para ele, como uma continuidade de sua carreira; para Anderson .Paak, soa como um projeto à parte. Não que isso importe – nenhum dos dois artistas está exatamente preocupado com isso. Aliás, nenhum deles está preocupado.
Não existe espaço para isso mesmo. Desde o primeiro single, “Leave the Door Open”, e especialmente no terceiro vídeo da dupla, “Smoking Out the Window”, Silk Sonic é única e exclusivamente bom humor. No universo musical dos dois, o pior problema existente é uma dor de cotovelo bem doída de quem gastou dinheiro demais em uma garota que nem era deles – mas pandemia, Trump, aquecimento global? Aqui não.
Na verdade, isso aqui é uma festa, uma noite com a dupla (mais uma vez, o nome do álbum é bem direto quanto a isso). Com Bootsy Collins (Parliament-Funkadelic) assumindo o posto de Mestre de Cerimônias e o mix às vezes deixando que a bateria tome conta – como é na vida real –, você está convidadíssimo para o rolê, desde que entre na onda.
E aí, Anderson .Paak dá a Bruno Mars tudo que lhe faltava: ainda mais sorriso, companhia nas festas e uma dose extra de ritmo e swing – daqueles que simplesmente não te deixam ficar parado em hipótese alguma. Modulando sempre (sempre!) que há uma oportunidade, Mars canta como nunca nesse disco; em “Put on a Smile”, você se pega várias vezes boquiaberto, lembrando o que ele sabe fazer.
Em seguida – em “777” – o artista assume os vocais agressivos de um bom imitador de James Brown e o brilho vai para a percussão infalível de .Paak. Resumidamente, os dois se complementam porque sabem exatamente como mostrar cada um de seus talentos; alternam holofotes com muita elegância, sem te tirar o foco da música.
Na verdade, são só 31 minutos de festa; o suficiente para que a sonoridade, extremamente nostálgica sem qualquer remorso, não te canse demais. Um álbum do tipo que seus pais e tios vão curtir ao seu lado, para que ninguém se lembre de discutir política. Para você passar um perfume enquanto ouve, buscando a única peça de seda que você tem em casa (e comprou em brechó). Não faz mal: a parte do luxo fica com eles.
Nessa festa, tá todo mundo convidado. E tá todo mundo dançando.
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* E a Dora Guerra convida você ao Twitter dela, o @goraduerra.
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