
* O grande escritor, teatrólogo e jornalista Marcelo Rubens Paiva, ele mesmo uma voz de sua geração quando nos anos 80 publicou o famoso livro “Feliz Ano Velho”, tuitou escárnio e maldizer sobre o Lollapalooza Brasil no fim de semana (chuva, distância, preço) e terminou dizendo que não conhecia o cantor Jão, atração do festival. “Deveria?”, indagou na postagem.
Sim, Marcelo. Deveria.

Jão é parte cintilante da forte onda de uma MPB renovada e puxada para todos os lados que escancarou seu grande momento no último final de semana no festival de Interlagos, iminentemente internacional, que entre outras coisas serviu para evidenciar a nova posição da CENA brasileira que estamos vivendo, um conjunto de artistas e bandas que representam os mais variados públicos e que convergiram nos palcos do autódromo em pluralidade e qualidade. E que está deixando de ser acessória em festivais desse porte, em que os destaques maiores vão para os gringos.
Jão é pop e recentemente lotou três noites na enorme casa Espaço das Américas, na Barra Funda. Então não surpreendeu ver que ele, tocando cedo, de dia, no segundo maior palco do Lolla BR (foto acima, de Yokota), arrastar mais público que, por exemplo, a badalada banda texana Black Pumas, ela mesma abasbacada com a quantidade de pessoas que estava diante dela. Jão não deve ter ficado espantado.
Teve o Jão. Mas teve também Anitta abrilhantando o showzão da atração mega americana Miley Cyrus, que disse estar recebendo a “número 1 do mundo” por ter a mais ouvida do planeta no Spotify; teve o concerto enooooooorme do rapper Emicida; teve a apresentação para festivais internacionais da Pabllo Vittar, artista brasileira que esteve nos três Lollas sul-americanos; teve o grande desempenho sonoro e político da Fresno; até o indie Terno Rei, a MPB alto-astral do Silva e o inclassificável show da Jup do Bairro atraíram muuuuuuita gente diante deles, perto do que geralmente tocam. Bom, Silva sai até de trio-elétrico próprio por capitais do país, então beleza arrastar multidão no Lolla.
Impressionou o show da artista Gloria Groove, uma explosão em diversos sentidos. A impressão era de que muita gente parecia estar vendo ela pela primeira vez, mas quando vinham os hits de Gloria, a geral sabia cantar.
Tudo isso sem falar no fenômeno pop Lagum (que teve uma plateia realmente surpreendemente mesmo tocando em um dos horários mais complicados do festival, domingo, por volta das 12h), o ovacionado rapper Djonga (que talvez merecesse estar num palco maior pelo tamanho de seu show no Lolla) e a deslumbrada e deslumbrante Marina Sena (pequeno fenômeno mineiro pós-pandêmico que em breve parte para tour na Europa, que inclui Londres, Madrid e Copenhagen, entre outros lugares, pensa). Até Edgar, Clarice Falcão, Menores Atos, Gloria Groove, Lamparina e MC Tha, cada um com suas diferenças, deram conta do recado bonitinho, com plateia relevante.
No todo, pode ver, a CENA esteve brilhante em todas as suas cores, nomes, estilos no Lolla.
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Público do rapper mineiro Djonga no Lollapalooza Brasil. Abaixo, a cantora mineira Marina Sena. Fotos de Mila/Lollapalooza Brasil

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Até de modo acidental este Lollapalooza 2022 botou uma bela coroa na CENA brazuca, se vc não percebeu. Diante da lamentável perda do baterista Taylor Hawkins e o consequente cancelamento do show do maior nome do festival, o Foo Fighters, a produção precisou recorrer à brasileirada unida, de Planet Hemp, Emicida, e Criolo a 75% dos Racionais MCs, Nyack, Rael, Bivolt, Drik Barbosa e até o Djonga, vários nomes de ontem e hoje, para substituir a maior das atrações internacionais.
Não é sugestivo o que aconteceu?
O que a edição do Lollapalooza deste ano, que simboliza a volta dos grandes eventos depois de tenebrosos dois anos sem nada, elucida o que vem sendo plantado no gigantesco número de festivais brasileiros independentes que ocorreram nos últimos anos, número este inflamado exatamente pela maturação desta CENA. Se há uns 15 anos você contava nos dedos das mãos o tanto de festivais independentes relevantes que existiam no país, esta quantidade bateu nos 200 eventos, um pouco antes de a covid-19 parar com tudo. E a retomada está se dando. Maior?
Não à toa, a Popload aqui, que por muitos anos tratou muito mais de música internacional em seus posts do que de bandas brasileiras, lá por 2014/2015 foi obrigada a criar o selo CENA para abrigar a quantidade enorme de grupos e artista brasileiros que “conversavam” com o indie que o site abraçava e fazia parte dessa crescente de festivais que tinham do Acre (Varadouro), Roraima (Quebra-Mar) e Rondônia (Casarão) à Santa Maria (Morrostock) e Caxias do Sul (Honey Bomb Festival), no Sulzão.
Não é por acaso, ainda, que todos são os mesmos nomes que semanalmente recomendamos aqui no Top 50 da CENA, um ranking que serve como raio-x de alguns dos principais lançamentos de música brasileira nova, de todas as vertentes. Quando identificamos por aqui o que chamamos de CENA, a novidade era justamente essa inédita convergência de artistas nacionais independentes e com artistas estabelecidos apoiados por uma estrutura de festivais e marcas que valorizam e estão de olho na diversidade dessa música nacional.
Não se trata de um caminhos sem acidentes, mas se apresentou um lugar diferente. No começo da Popload, era nítido que não havia esse diálogo entre pequenos e gigantes, entre gringos e brazucas. O mundo independente estava à parte. E muito dessa época, festivais bem grandes como o goiano Bananada, o recifense Coquetel Molotov, o potiguar Do Sol e o paraense Se Rasgum, para ficar em poucos exemplos dos poucos que existiam, souberam ler e sustentar essa virada.
Como em todo período pós-apocaliptico, no nosso caso pós-pandêmico, a arte e a cultura assumem a frente e reúnem as massas em torno de movimentos em comum. O Lollapalooza 2022 evidenciou claramente a nova posição da CENA brasileira que estamos vivendo. É só ver o que aconteceu nestes agitados últimos dias.
Estamos curiosos para ver o line-up dos megafestivais de 2023.

Jup do Bairro, em ação no Lolla BR 2022, em foto de Mila. Abaixo, show do capixaba Silva no palco principal do festival, em imagem de Camila Cara

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* A cobertura Popload do Lollapalooza Brasil 2022, aqui no site a das redes sociais no final de semana, foi realizada por Lúcio Ribeiro, Vinícius Bracin, Lina Andreozzi, Daniela Swidrak e Isadora Almeida .
** A foto da Pabllo Vittar que ilustra a chamada da home da Popload é de Mila/Lollapalooza Brasil.
*** O escritor Marcelo Rubens Paiva acabou apagando o tweet sobre o Jão no Lollapalooza.
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