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* Conheci o jornalista Marcelo Orozco no começo dos anos 90 exatamente no olho do furacão do Nirvana e mais exatamente ainda nisso aí mesmo, no ambiente jornalístico. Estávamos juntos quando os primeiros “boatos” de que o roqueiro tinha tirado a própria vida chegaram, deixando de ser “boatos” a cada hora para virar realidade sem aspas alguma.
Nos papos musicais do dia-a-dia, era difícil não falar de música. E Nirvana, “Nevermind” etc vira e mexe vinha pontuar alguma conversa nossa e da galera musicalmente boa que estava junto a nós. Afinal, estávamos vivendo os “nosso Beatles”, na questão “revolução na cara”.
Pouco depois, Marcelo Orozco se enfiou no estudo das letras que Kurt Cobain escreveu para o Nirvana para construir um interessantíssimo livro sobre a banda de Seattle, dos centenas escritos desde aquela época.
Claro, as letras do “Nevermind” estavam ali no livro editado em 2002 para marcar um pré e talvez adiantar um pós-momento de tudo que aconteceu na mente de um cara brilhante e ao mesmo tempo vítima circustancial num espaço de dois anos e pouco, do mero segundo álbum de sua banda até então normal até sua automorte. E que à época foi tudo tão brutal para o bem e para o mal, e aconteceu tudo tão rápido, que se para nós admiradores era difícil entender, imagine para o Cobain.
Então fui saber do Orozco, nestes muitos anos depois da tempestade que causou o “Nevermind”, como ele, um dos caras que considero mais entender de Nirvana no planeta, ainda vê aquele segundo disco lá, daquela banda lá, comandada por aquele cara lá. Com os olhos de 2021.

por Marcelo Orozco
“Nevermind”, o segundo álbum do Nirvana, foi lançado há exatos 30 anos neste 24 de setembro, mas não ouvi o disco inteiro há 30 anos.
Vi o vídeo de “Smells Like Teen Spirit” na MTV Brasil quando começou a rodar na emissora, mas a obra completa mesmo, o álbum todo em si, só fui ouvir meses depois, já em 1992, quando o vinil saiu aqui no Brasil – na época, eu praticamente não comprava importados em nenhum formato e a internet inexistia.
A partir daí, a banda de Kurt Cobain teve um enorme efeito em mim. Minha banda nos anos 1990. Não foi a última de que gostei, mas foi a que mais me pegou. A ponto de, anos depois, publicar meu único livro, que trazia traduções das letras, análises da relação pessoal do cantor-guitarrista com aquelas músicas, contexto de época etc. Era “Kurt Cobain: Fragmentos de uma Autobiografia”, publicado pela Conrad Editora em abril de 2002.
Um trabalho que me levou a um mergulho de seis meses de pesquisa e escrita dedicada, mais três meses de editoração – um total de nove meses, uma gravidez. Hoje o livro está fora de catálogo há anos. Só em sebos. E não vislumbro uma reedição atualizada.
Mergulhar na psicologia complexa de Cobain requer muita coisa pessoalmente. Minha vida e minha motivação para escrever essa obra eram outras em 2001/02. Estou diferente hoje, não digo melhor nem pior, mas essa investida numa personalidade – apesar de um senso de humor refinado – engolida por drogas, depressão e, infelizmente, suicídio exige muito e desgasta, mesmo que você não queira. Acho que não estou mais a fim de passar por isso outra vez.
Chega de falar de mim e voltemos ao que interessa, o “Nevermind”. Nesta época em que o rock é quase um cachorro morto, em segundo plano em relação ao que a massa ouve aqui e lá fora e (com muitas exceções, mas….) parece ter virado um gênero musical e cultural reacionário, talvez seja difícil entender o efeito daquela união de peso e pop.
Música feita por um bandleader que era ao mesmo tempo bonito, inteligente, louco por música, feminista, progressista, irônico, sarcástico, contestador, sensível. Um “poster boy” com conteúdo é difícil de achar.
O importante é a música. “Nevermind” estourou (1º lugar na parada americana na época e 30 milhões de cópias vendidas até hoje) porque é quase irretocável – só não simpatizo muito com as faixas “Stay Away” e “Lounge Act”, mais fraquinhas que o resto para meu gosto.
É explosivo em “Smells Like Teen Spirit”. É lírico em “Something in the Way”. É porrada em “Territorial Pissings”. É sinistro em “Polly”. É reflexivo em “Lithium”. É apaixonado em “Drain You”. É Beatles e punk e metal e muito mais ao mesmo tempo. Rico. E por isso, 30 anos depois, merece que ainda se fale de um mero álbum de rock.
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