Top 50 da CENA – O ser e existir do impressionante Mbé vencem a prova do líder. Mas o ser e existir da também impressionante Giovanna Moraes vêm perto, em segundo. E Rico Dalasam, o dominador, ainda manda nas “dez mais”

Top 50 da CENA – O ser e existir do impressionante Mbé vencem a prova do líder. Mas o ser e existir da também impressionante Giovanna Moraes vêm perto, em segundo. E Rico Dalasam, o dominador, ainda manda nas “dez mais” Foto: divulgação

1 - cenatopo19

* Semaninha de poucos mas bem bons lançamentos. Ou de descobertas recentes. Ou de melhores entendimentos. Ou de solavancos necessários em audições vacilantes. A CENA brasileira está um organismo vivo incontrolável e imparável. Que bom!!! Leia os textinhos (e “ões”), bota a playlist para rodar e seja esticado e puxado para todos os lados pela transformadora música independente brasileira atual.

giotopquadrada

1 – Mbé – “Aos Meus” (Estreia)
Não repara na nossa emoção, é que a gente ficou chapado ao entrar em contato com o trabalho de Luan Correia, o produtor, pesquisador e engenheiro de som carioca, da Rocinha, que funciona aqui como Mbé, palavra que em yorubá significa “ser” e “existir”. Seu experimentalismo é muito bem explicado por ele próprio, anota essa ideia: “O experimentalismo surge da necessidade de significações para a vida negra, mas deixando de lado o sentimento da marginalização e subalternidade social. Desde que os nossos primeiros ancestrais chegaram aqui, grandes líderes e intelectuais negras e negros guerreiam para criar um novo olhar para as nossas experiências e a nossa amefricanidade. Ou seja, o experimentalismo aqui é por uma vida, muito além das limitações da música experimental”. Pegou a ideia? Entre recortes, samples, Mbé busca esses novos horizontes. Na faixa de abertura, repare no quanto é dito em tão pouco espaço. Os recortes, as falas repetidas que são silenciadas, seguidas de uma fala de Antônio Abujamra que dão devido contexto. Tudo está dito e em apenas 46 segundos. Que convite ao álbum. Vem nessa.

2 – Giovanna Moraes – “Tudo Bem?” (Estreia)
Um amigo gringo nosso, ao ouvir “III”, o novo disco da cantora e faz-tudo paulistana Giovanna Moraes, comentou que este som específico, “Tudo Bem?”, o lembrava uma pegada Portishead, sons meio enigmáticos embalando voz que alterna momentos de controle emocional. A gente primeiro soltou um “whaaaat?”, mas depois foi escutar mais uma vez com essa referência bonita em mente e não é que tem algum sentido? Caramba. Este som é um indie-downtempo que logo derruba a interrogação da pergunta do título. Mas que pode estar mentindo na troca do “?” pelo “!”. Podemos estar enganados, mas à medida que a canção cresce Giovanna vai cantando mais entorpecida, um pouco bêbada. São as coisas fazendo um efeito. Gênia. A missão do segundo disco, que aqui é o terceiro, mas o segundo em português, foi concluída com méritos.

3 – Rico Dalasam – “Estrangeiro” (Estreia)
Não precisamos repetir o textão de semana passada, que você ainda pode ler no 4° lugar aí embaixo, mas o disco do Rico Dalasam segue mexendo com a gente. A predileta da vez é a radiofônica “Estrangeiro”, uma das favoritas dos fãs e um dos hits do disco.

4 – Rico Dalasam – “Expresso Sudamericah” (1)
Dez anos atrás, artistas do universo LGBTQI+ sofriam muito mais com a invisibilidade do que ainda sofrem hoje. Rico Dalasam com certeza viu de perto parte da atitude de mudança no mercado. Nas TVs e festivais, de repente, todo o jogo estava mais receptivo a artistas antes ignorados. Talvez esse movimento tenha moldado positivamente muitas cabeças, derrubado muitos de nossos preconceitos, mas qual a efetividade dele no todo? Quantas empresas abraçaram essas mudanças de imagem sem abraçarem políticas efetivas de combate a nossa estrutura que marginaliza a população LGBTQI+, por exemplo? Por que passamos a comprar melhor, mas não passamos a votar melhor, para ficar em um só exemplo? Se no público a sensação desse processo já é nauseante – dada a óbvia falta de resultados práticos a partir de um mero “consumismo consciente” -, nos artistas LGBTQI+ a pancada é ainda maior: como pensar em arte nessa lógica que parece muito afeita a vender suas ideias, mas ao mesmo tempo pouco interessada nas consequências delas na transformação da sociedade e na defesa real de seus corpos? Ser artista ou um carreirista? Na briga com essa lógica, Rico, por exemplo, comprou tretas que com certeza não deixaram sua trajetória mais suave. Em 2019, escreveu com preocupação um texto na revista “Carta Capital” sobre algumas de suas aflições quanto a isso: “Nunca esteve tão próxima, e por que não dizer homogênea, a produção cultural que emancipa o povo da produção cultural comprometida em deter o povo”. Seu segundo álbum, esse “Dolores Dala Guardião do Alívio”, o primeiro em quase cinco anos, é um tanto sobre as consequências de passar por esse moedor de almas. Dá para sair mais forte na outra ponta da máquina? Em “Expresso Sudamericah”, por exemplo, Rico versa sobre ter quebrado “a régua que mede” seu talento, que soa como um recado a uma tentativa de moldá-lo em algo mais palatável para o grande consumo, e comenta sobre como seus sonhos gigantes vão muito além de ter hit. “Tô desenhando um coração/ Onde todo dia apagam um monte”, ele escreve antes de se jogar no belo refrão onde localiza sua luta não só no Brasil mas neste “Expresso Sudamericah”, o continente que muitas vezes esquecemos que é o nosso também. E, em um exercício de quebra da quarta parede, ainda no refrão, ele parece olhar para o ouvinte e dizer: “Alô, parceiro passageiro”. Estamos juntos, Rico.

5 – Jadsa – “Lian” (2)
Um dos discos mais importante da CENA brasileira neste ano, que foi tomando forma do colosso que é a partir de seus três singles sequenciais lançados, sai na próxima sexta-feira. Este é o terceiro deles. E, dele também, desse disco “Olho de Vidro”, a cantora e guitarrista baiana Jadsa emplaca sua terceira música no nosso Top 50. A incrível “Lian” tem a participação E É SOBRE Luiza Lian, cantora de SP, de um jeito que Jadsa dá uma espécie de continuação em seu projeto de fazer música boa e ao mesmo tempo referencial à música independente brasileira que, já tínhamos observado em “Raio de Sol”, que agora está na 11ª posição deste ranking.

6 – Djonga – “Eu” (3)
Após ter feito um show durante a pandemia, Djonga teve que lidar com uma campanha de cancelamento brutal. Se por um lado dá para entender bem a decepção dos fãs, de outro é evidente que o revide que ele recebeu por seu erro é desproporcional em relação a sua luta. A perseguição intensa sofrida por Djonga parece casar mais com uma cobrança desnivelada causada em parte por nosso racismo estrutural, que obriga que a população negra precise ser dez, mil vezes melhor. Seu novo álbum, “Nu”, não versa só sobre esse assunto, mas é um tópico que parece estar pelas músicas todas e que foi mais bem resolvida em “Eu”, que tem no refrão o verso: “Humano demais pra ser tão bom pra você”. Como se o rapper mineiro quisesse dizer “Quem te fez tão bom assim?”, parafraseando Mano Brown numa certa música chamada “Negro Drama”.

7 – Lupe de Lupe – “Cabo Frio” (4)
Segundo single da banda mineira, tirado do álbum “Trator”, previsto para sair em maio deste ano pela Balaclava, a faixa “Cabo Frio” não é tão polêmica quanto “Goiânia”, mas nem por isso é mais fácil ou simples. É um relato de dores complicadas de se encarar enquanto crescemos, aquela sensação de desconexão com o resto do mundo que todo mundo parece carregar um pouco em diferentes intensidades. Desta vez quem canta e ilustra a capa do single é Renan Benini.

8 – LEALL – “Pedro Bala” (5)
“Escupido a Machado” é o nome do primeiro álbum do rapper carioca LEALL, uma referência a uma fala do Mano Brown sobre sua história de vida, onde os ensinamentos constroem, mas os erros custam caro. “Pedro Bala”, segundo som do disco, é um pouco sobre isso, mas também sobre o cerco que se apresenta na vida dos jovens negros do Brasil. Um cerco material, mas também do imaginário – aspecto perverso do racismo estrutural brasileiro que consegue culpar suas vítimas na ida e na volta. Embora a referência do título seja do personagem criado por Jorge Amado em “Capitães de Areia”, a gente relembrou aqui do “Pedro Pedreiro” de Chico Buarque, outro personagem da música brasileira que sofre com as questões do imaginário.

9 – Barro e Luísa e os Alquimistas – “De Novo” (Estreia)
Um som otimista. A gente precisa deles de vez em quando, né? Ainda que o papo da música seja de um casal, a canção acaba sendo sobre nosso desejo de retorno, não de um relacionamento, mas de rua, de festa, de um pouco de alegria em condições que a pandemia tirou da gente.

10 – Felipe Ret – “F* F* M*” (Estreia)
Quer saber mais deste título? Vale escutar a música toda, não cabe aqui. Mas Ret tem esse mérito de reunir recado e diversão ao mesmo tempo. Até porque o direito de uma vida melhor incluí aproveitar ela do jeito que você bem entende, não? Exaltar isso é uma forma de lutar.

11 – Jadsa – “Raio de Sol” (6)
12 – BNegão – “Salve 2 (Ribuliço Riddim)” (7)
13 – Vanessa Krongold – “Dois e Dois” (8)
14 – Ale Sater – “Peu” (9)
15 – Jupiter Apple – “AJ1” (10)
16 – Apeles – “Eu Tenho Medo do Silêncio” (11)
17 – Lupe de Lupe – “Goiânia” (12)
18 – Rohmanelli – “Viúvo” (13)
19 – Boogarins -“Far and Safe” (14)
20 – Rincon Sapiência – “Som do Palmeiras” (15)
21 – Monna Brutal – “Neurose” (16)
22 – Luna França – “Terapia” (17)
23 – Yannick Hara – “Antidepressivos” (18)
24 – Ale Sater – “Nós” (19)
25 – Jadsa – “A Ginga do Nêgo” (20)
26 – Sessa – “Grandeza” (21)
27 – Artur Ribeiro – “Fragmentação” (22)
28 – A Espetacular Charanga do França – “Cadê Rennan?” (23)
29 – Garotas Suecas – “Tudo Bem” (24)
30 – Winter – “Violet Blue” (25)
31 – Pluma – “Mais do Que Eu Sei Falar” (26)
32 – Tagore – “Tatu” (27)
33 – Kill Moves – “Perfect Pitch” (28)
34 – DJ Grace Kelly – “PPK” (29)
35 – Jamés Ventura – “Ser Humano” (30)
36 – Jovem Dionísio – “Copacabana” (31)
37 – Píncaro – “Leito de Migalhas” (32)
38 – Atalhos – “A Tentação do Fracasso” (33)
39 – Edgar – “Prêmio Nobel” (34)
40 – Jup do Bairro – “O Corre” e “O Corre” (Bixurdia Remix) (35)
41 – BK – “Mudando o Jogo” (36)
42 – Antônio Neves e Ana Frango Elétrico – “Luz Negra” (37)
43 – BaianaSystem e BNegão – “Reza Forte” (38)
44 – Compositor Fantasma – “Pedestres Violentas” (39)
45 – Zé Manoel – “Saudade da Saudade” (40)
46 – Gustavo Bertoni e Apeles – “Ricochet” (41)
47 – Jair Naves – “Todo Meu Empenho” (42)
48 – Kamau – “Nada… De novo” (43)
49 – Letrux – “Dorme Com Essa (Delirei)” (44)
50 – MC Fioti – “Bum Bum Tam Tam” (45)

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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, a cantora paulistana Giovanna Moraes.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix. Com uma pequena ajuda de nossos amigos, claro.

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