Há alguns dias foi lançado o single de estreia do primeiro disco da paulistana Ana Spalter, intitulado “Café”. Ana é compositora, cantora e multiinstrumentista formada em piano popular e, em 2022, lançou seu primeiro projeto, o EP “All We Are”. No ano seguinte, começou a se apresentar ao vivo e essas apresentações, de alguma forma, deram origem ao disco que vem aí, de nome simbólico: “Coisas Vêm e Vão.”
Sobre “Café”, a primeira impressão é a de que se trata de uma canção esquisita. Isso porque o que chega primeiro ao ouvinte é um arranjo desconcertante, com um baixo bem marcado que traz notas que remetem a uma sensação de tensão, seguido por um barulho de percussão que lembra uma onomatopeia de desenho animado, como uma engrenagem de uma máquina que trabalha.
Depois, essa esquisitice é reforçada por um som de teclas mais agudas, que trazem uma atmosfera onírica, como se, até ali, tudo se tratasse de um sonho bizarro. E, para fechar a introdução, entra um riff de guitarra, também um pouco medonho, antecedendo o canto de Ana Spalter. Tudo isso apenas nos primeiros 20 segundos da canção.
Na sequência dessa organizada confusão, a primeira frase cantada por Ana é justamente “Acorda de manhã, esquenta a água e faz café”, como alguém que, de fato, acaba de acordar de um sonho (ou pesadelo). E, de volta ao mundo material, a artista fala sobre a rotina nos primeiros versos, que seguem uma mesma melodia, criando uma sensação repetitiva, de alguém que parece estar cansada da mesmice do cotidiano.
E, sim, e em meio a essa “esquisitice sonora” dá até para enxergar uma conexão tão em voga na CENA, principalmente a paulistana, de se aproximar da vanguarda de SP dos anos 80, algo que praticam Sophia Chablau e Ana Frango Elétrico (embora carioca), entre outros nomes.
“O mundo não para”
Segundo a artista, “Café” traz a história de alguém que sofre de saudade por um antigo amor, mas que segue firme na rotina para não se “distrair” com isso. Essa dicotomia entre o sonho e o concreto também é percebida na discrepância entre os versos e o refrão, este que surge mais doce, apesar de melancólico, para quebrar a tensão da música.
Outro aspecto interessante do lançamento é sua parte visual, ilustrada por fotografias de Ana Spalter vestida de forma colorida e meio circense. Isso certamente contribui para a atmosfera cartunesca da canção.
Vale destacar também que esse primeiro disco de Ana Spalter, que sai ainda neste mês, foi produzido por Betão Aguiar, conhecido por trabalhos com alguns dos maiores artistas do país como Caetano Veloso, Marisa Monte e Gilberto Gil. Isso certamente colabora na boa expectativa em relação ao trabalho.
De modo geral, “Café” tem um arranjo criativo, com compassos ímpares e outras esquisitices como as mencionadas acima e, ao mesmo tempo, apresenta uma mensagem bastante comum e humana, com a qual diversos ouvintes podem se identificar. Afinal, quem nunca se encheu de ocupação para se distrair de algum problema ou de alguém?
Bem, enquanto as outras coisas não vêm, “Café” faz uma ótima apresentação da obra de Ana Spalter.