CENA – Samuca e a Selva celebra 10 anos de estrada com show hoje em SP. À Popload, Samuca relembra a trajetória da banda

Dez anos de shows, três discos de estúdio e muitos e muitos cortes de cabelos depois, Samuel Samuca – o frontman da plural banda paulista Samuca e a Selva – sentou com a gente para pensar na trajetória da banda, da carreira e de sua vida pessoal, que começou sonhador de tudo no interior, em Guaratinguetá. 

Da estreia com “Madurar” em 2016 até aqui, a big band que inclui Victor Fão (trombone), Bio Bonato (sax barítono), Matheus Prado (percussão) e Guilherme Nakata (bateria), Felippe Pipeta (trompete), Allan Spirandelli (guitarras), Kiko Bonato (sax tenor), Léo Malagrino (contrabaixo) e Carol Leão (teclados) (ufa!) conquistou um público fiel. Basta colar nas aparições da banda no Mundo Pensante, em São Paulo, talvez o espaço mais querido por eles, para entender a vibração. Não está em São Paulo? Vá no Instagram deles e veja o fervo da caixa de comentários. 

A primeira parada ao vivo da Samuca e a Selva é justamente em casa. Sesc Pinheiros nesta sexta-feira. Depois rola participação no imenso Festival da Lua Cheia, que acontece em Altinópolis entre 19 e 22 de junho. Em julho, tem BH no dia 5. 

Abaixo, a conversa do Samuca com a Popload.

Popload – Dez anos de estrada com Samuca e a Selva. 2015. Era outro mundo, né? 
Samuca – Nossa, era realmente outro mundo [Risos]. Com 26 anos você sonha alto, até de uma forma inconsequente, mais irracional. Me lembro dos meus ideais e acho que a maioria deles não mudou, mas amadureceu, calejou. Formar a Selva foi o grande divisor de águas da minha jornada. Na época tinha recebido um convite para trabalhar na Cidade do México justamente quando começamos a ensaiar para os primeiros shows da Selva. Cheguei a ir pra lá, vi apartamento pra morar, negociei, conheci pessoas. E no fim não fui. Era uma proposta muito boa, mas não fui. Por pura fé no projeto, no sonho mesmo. Foi uma encruzilhada da minha vida e eu tive a certeza disso. É uma decisão difícil de tomar, mas tomei. Fiquei, mergulhei profundo no projeto e consegui arrastar a turma da banda comigo no mesmo tesão. 

Popload – Você é um cara do interior. Escrevia poesia quando criança, cantava suas músicas, tinha uma banda de forró. O que você imaginava para si na infância e adolescência? 
Samuca – Eu sempre, sempre, sempre quis ser artista. Foi difícil pensar em seguir qualquer coisa que me desligasse da arte. Havia uma pressão – acho que talvez seja mais justo empregar a palavra preocupação – natural dos meus pais, que enfrentaram muitas dificuldades financeiras, mas sempre se desdobraram em mil para nos oferecer educação, para que a gente estudasse e não passasse necessidade. E eles sabiam e a gente sabe que ser artista, principalmente no Brasil, sem nome nem sobrenome, sem lastro, sem padrinho, é um risco enorme. É um perigo. Mas no fim não teve jeito. Cisquei para lá e para cá, tentei outros caminhos, mas acabei me tornando artista. Por essas e outras eu suspeito muito que haja de fato a existência de um destino ou de uma vocação nata em todo mundo. É algo que fala mais forte que a gente e que faz a gente se virar para viabilizar. E tanto tempo depois eu acho que esse garoto se sente representado sim pelo Samuca adulto. Eu queria misturar ritmos e dar unidade pro meu gosto musical tão eclético, gravar discos, dar vida a versos que tantas vezes deram sentido e até mesmo salvaram minha vida, viajar a lugares, conhecer pessoas, estabelecer uma relação de amizade profunda com meus companheiros de banda. Eu sonhei tudo isso por muitas noites. E tudo isso rolou, à custa de muito ralo e de muita obstinação. 

Popload – A vida em São Paulo é sua realidade hoje. O que a cidade fez com você e o que você fez com a cidade?
Samuca – Posso dizer que a cidade grande mexeu tudo em mim. Moldou meu caráter, meus valores. Costumo dizer que talvez seja um bom acordo, uma vez que a dureza de São Paulo me endureceu – e muito – mas eu acabei soltando a pélvis da cidade [risos]. A vida aqui me trouxe uma explosão de informações, de encontros e de experiências – entre maravilhosas e péssimas – que eu não tinha ideia que seriam possíveis. A própria Selva é uma espécie de resposta a isso tudo. Desde a busca dos músicos, a formação do time, passando pela sonoridade, até o nome da banda. Não se chama Samuca e a Selva por acaso. É sobre, também, transar e me relacionar com esse mundo novo que para mim se abriu. A vida no  interior tem outro ritmo, um romantismo que parece clichê quando a gente fala, mas é muito real. Foi ótimo crescer lá, na rua, no mato, nadando em ribeirão. Muito mais livre e afetivo.  É muito louco. Você rala, mas a cidade em alguma proporção te devolve. Se você minimamente dá certo em São Paulo a chance de isso se expandir a outros lugares do país e do mundo é exponencialmente maior, possível de fato. É uma vitrine para todo país e, por que não, para o mundo. E isso “buga” a cabeça do caipira né?! [risos]. E foi mais ou menos o que aconteceu conosco. Em décadas tocando para a frente meu antigo projeto musical no interior não tive 1/10 da viabilidade e dignidade de trabalho que tive em pouco tempo por aqui. Então agradeço. Devo isso à cidade. Não haveria Samuca e a Selva se não fosse São Paulo e, principalmente, o ABC paulista. Celeiro de muitos dos meus parceiros e dos músicos mais interessantes que conheci. Faço questão de exaltar isso!

Popload – Se olharmos para uma parada musical, vamos encontrar muitos mais artistas solos do que bandas. Bandas com muitos integrantes fixos, então, são raras. O que esse andar na contramão influenciou na música e carreira de vocês?
Samuca – É muito louco pensar que, a cada ano que passa, menos bandas estão nas paradas. Na verdade a gente vê mais notícias de banda acabando do que surgindo né?! Eu particularmente acho triste, mas entendo. Acho que a pandemia fez com que as coisas tivessem que se adaptar nesse sentido e o advento da tecnologia aplicada à produção musical colaborou muito para a redução das formações. O cenário econômico é foda. Então muita gente encontrou saída para viabilizar a vida numa carreira solo ou em formações bem menores. 
Só que não deixa de ser triste. Soa como uma tradição que a gente está perdendo. Era algo impensável há alguns anos atrás para quem que cresceu vasculhando loja de discos, assistindo a videoclipes e sonhando em dividir o mesmo sonho com uma galera para chamar de sua. E é triste não só pela reconfiguração do mercado em si mas porque eu acho que trabalhar em grupo é também uma grande forma de aprender a conviver em sociedade. 

Popload – Você conta que sempre sonhou em ter uma banda que segurasse a onda para você ser um performer, para se soltar, dançar mesmo. Esse estar presente com o corpo, uma ligação que não é todo mundo que tem, diz o que pra você?
Samuca – Acho que isso também tem muito a ver com o fato de eu ser um instrumentista de merda [risos]. Ou não. Sei lá. Pensando melhor acho que se eu fosse um baita instrumentista, continuaria tendo essa predileção pela música dançante. Mas alternaria entre momentos mais soltos e outros ao instrumento. Como no meu caso o instrumento sou eu e, para além de compor e cantar, eu mergulhei nos estudos do corpo e do palco, pensar uma formação que me deixasse solto para circular, interpretar a partir da corporeidade e dançar foi a saída que encontrei pra desaguar tudo isso e promover um grande laboratório mesmo. Era o que eu podia dar. A coisa do dançar é nata mesmo. Eu danço desde que me conheço por gente. 

Popload – Como é o seu processo de composição? É a sua hora preferida enquanto artista ou tem outra?
Samuca – Eu até hoje não sei responder direito se prefiro compor, gravar ou performar ao vivo. São três esferas do meu trabalho que me dão enorme prazer. Me sinto um grande privilegiado por trabalhar com prazer, manja?! A maioria das pessoas não tem essa oportunidade. Eu curto muito o processo de gravação. Sou rato de estúdio, vou todos os dias. Acompanho mesmo. Opino. Gosto de ver a coisa tomando forma. A turma tocando, os produtores trabalhando. E me divirto muito botando voz também, pintando camadas. Pensando na interpretação, dobras, coros. O palco já é um lance meio que habitat natural. É onde eu tô mais à vontade. 

Popload – Qual é a rotina de dia perfeito na sua vida?
Samuca – Poxa que pergunta difícil para um sagitariano que não gosta de rotina [risos]. Mas sei lá, vou tentar. Acordar às 8h, pensando em dormir 0h e ter oito horas de sono, beber água, tomar um café preto e ir treinar. Voltar às 9h e tomar um bom banho e um belo café da manhã. Minha refeição favorita. Fumar um cigarrinho, fazer cocô (o cocô da manhã é sagrado para mim tá?!) e aí sim tô pronto para o dia. Finalizaria a manhã me reunindo com a produção, booking e comunicação para traçar planos e saber do andamento das coisas da Selva. Pausa para o almoço. Uma tarde de ensaios com a banda, de preferência os de composição/arranjo de novas músicas, são os que eu mais gosto, de longe. Um café com bolo no fim da tarde, um bom cochilo de 1h30. Acordar, jantar, tomar um bom banho e fechar a noite com um baita show seja comigo em cima do palco ou enquanto público. O rolê que eu mais gosto de fazer é assistir a shows mesmo. Se der para tomar uma cerveja, prosear com boa companhia e dançar depois do show melhor ainda. Acho que está aí uma rotina que me satisfaz bastante.

Popload – O que você deseja daqui para a frente?
Samuca – Eu desejo dignidade para trabalhar, de modo que a gente tenha agenda cheia, prestígio por onde for e qualidade de vida. Não sonho com bilhões, não faço minha cabeça com ostentação. Quero é saber de boa infraestrutura para viver bem, poder ajudar a quem precisa e a quem está ao meu redor e tanto me ajudou nessa jornada também. E que a criatividade e a coragem nunca nos falte.


***
* As fotos usadas para este post são de Brunno Kawagoe.

MDE 1 – horizontal miolo página

news

Postado por Vinicius Felix   dia 06/06/2025
CIRCUITO #2 quadrado interna
Terreno Estranho – horizontal fixo Mark Lanegan