Dez Perguntas para Àiyé – Popload cria seção de entrevistas “diferentes”

Entrevistar artistas e bandas para falar de seus discos novos ou shows a gente faz bastante. Mas e para falar além disso?

Criamos a seção de entrevistas “Dez Perguntas” para fugirmos um pouco da “agenda trivial” e questionar sobre a… vida. Falar da rotina, dos diretores de cinema prediletos, hábitos alimentares, mora com quem e onde etc.

Para esta estreia, trazemos as respostas da multitalentos ÀIYÉ, que está preparando seu novo álbum, mas parou um pouco para nos contar que já morou em 16 casas diferentes na vida.

A entrevista é conduzida pelo titular da seção, o poploader Vinicius Felix. Vê se curte!


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Saudade da ÀIYÉ? Fique tranquilo. Larissa Conforto prepara neste momento um novo álbum para seu projeto/persona ÀIYÉ. Em breve, chega aí o sucessor de “Transes”, sua brisa boa lançada lá em 2023 – sem dúvidas, um dos discaços daquele ano.  

Mas isso não significa falta de trabalho novo na pista. Enquanto corre pelo Brasil sendo baterista de Paulinho Moska e se restabelece no Rio de Janeiro após alguns anos vivendo em SP, Larissa abraça sua latinidade com dois singles compartilhados com duas amizades construídas muito por suas tours por países vizinhos, todas elas na cara e coragem 100% indie. 

O primeiro foi “De nuevo Saudade”, parceria com o colombiano Juan De Vitrola. Agora ela apresenta “Una Vez”, com Mora Lucay, projeto musical da chilena Natalia Vásquez – nesse caso, foi Natalia que visitava São Paulo e trombou com Larissa. 

A faixa, resumida por Mora como uma “bossa chachachá electrónica”, estará no terceiro da artista nascida em Valparaíso, mas que pelo visto ama muito o Brasil. Além de convidar ÀIYÉ para participar da música, o vídeo da faixa homenageia a artista brasileira Lygia Clark. Chiquérrimo. 

Com essas novidades todas, aproveitamos e pedimos que Larissa encarasse 10 perguntinhas meio filosóficas para estrear uma nova seção aqui na Popload. Que tal? 

1.
Popload – Como é a rotina de um dia perfeito na sua vida?  
Larissa Conforto – Meu dia perfeito quase real: Acordar cedo com os passarinhos na janela (agora eu gozo desse privilégio hehe), céu azul e muito sol. Eu corro para a praia, dou um mergulho, medito e consagro meu rapézinho na areia mesmo. Leio um pouco também… Volto pra casa já aquecendo a voz, tomo um banho + banho de ervas ouvindo meus pontos, e já tem almoço (vegetariano) pronto – a galera aqui em casa arrasa nas refeições. Comemos juntos desfrutando do jardim, ouvindo boas notícias sobre o mundo. Paz mundial, fim das guerras, fascistas na cadeia. Alguém que eu amo passa em casa para um café e um docinho, e a gente conversa enquanto eu me arrumo pra ir passar o som. Toda a equipe já está lá no Circo Voador, montando o cenário/som/luz para a noite. Aqueço a voz, e a van chega para me buscar. Toda a equipe tá amarradona de finalmente estrear o show que estamos levantando faz tempo. Os ingressos estão esgotados e eu tô apreensiva, porque vou fazer algo novo, que nunca fiz antes, no palco. Eu treinei meses pra isso. A passagem é ótima, eu descanso um pouco com os amigos no camarim, enquanto me arrumo para o show e aqueço de novo a voz. Faço um show inteiro, me entrego. Eu estou me ouvindo bem, me sinto em sintonia com a plateia, ouço coisas bonitas de gente que amo, sinto que estou fazendo diferença no mundo. Depois do show eu atendo geral, ouço e falo coisas bonitas, e volto pra casa para as minhas gatinhas, com a certeza que as coisas estão melhores do que antes. A turnê vai bem, que eu não dependo de algoritmos nem de intermediários para estar com meu público. Eu vivo plenamente bem da minha música, tenho suporte dos meus amigos e não preciso me preocupar com dinheiro ou saúde. Tão perto e tão distante…

2.
Popload – E qual é a trilha sonora do dia perfeito?
Larissa –
A trilha do dia perfeito é um mix de clássicos dos Jorge Ben/Tim Maia/música brasileira da Tijuca… Com um pouco de música caribenha e jamaicana, algo de eletrônico andino, muitos tambores variados e bastante macumba.

3.
Popload – Lembrando da vida toda, que momento você queria ter guardado em uma foto, mas não rolou esse registro?
Larissa –
Difícil escolher um! Podem ser dois? Eu queria muito a foto do dia que minha avó fez a passagem, no meu aniversário. Ela me convidou para um almoço logo antes de ir, compartilhou várias histórias de vida e falou sobre a morte. Esse dia mudou minha vida. Mas também ficaria feliz em ter uma foto com o Anderson .Paak no dia que toquei no mesmo palco que ele, no Lollapalooza. Eu encontrei com ele no backstage, conversamos à beça, mas eu não tive coragem de pedir a foto.

4.
Popload – Você morou em quantas casas na vida? Como era a casa em que você cresceu, como ela funcionava, quem mais vivia nela?

Larissa – Fiz as contas dia destes e deu 16 casas contando com essa de agora, que acabei de me mudar (voltei a morar na minha cidade natal, o Rio, faz alguns meses). Eu não cresci numa única casa, principalmente porque meus pais se separaram quando eu era bem nova, então eu sempre ficava lá e cá. Mas basicamente cresci no Andaraí/ Tijuca/Maracanã, zona norte do Rio. E depois tive momentos ali na praça São Salvador, outros em Vila Isabel, e muitos outros na casa da família em Friburgo. A casa da minha mãe, onde eu ficava mais, era casa de acumulador, sabe? Professora de história e sociologia para educação especial. O nosso mundo eram os livros e papéis. Eu passava muito tempo nas escolas que ela trabalhava, e ela atendia em casa também. Então a casa era um ambiente muito criativo, porque também era consultório e salão de festas. Sempre tinham fantasias, máscaras, decorações, jogos, estímulos visuais e instrumentos, porque ela usava muito com os alunos de Fonoaudiologia. Sempre teve muita música em casa. Muita festa também. Era uma casa sempre cheia e alegre. A princípio morava eu, minha mãe e minha irmã mais nova, mas sempre tinham agregados passando semanas, ou só uma noite. Minha mãe recebia muita gente, já tiveram estudantes de intercâmbio de vários países ficando lá por um tempo, gente de todo tipo, hippies que faziam artesanato precisando de um abrigo, gente que vinha estudar no Rio e precisava de um sofá. Tudo lá em casa sempre era compartilhado, mesmo que eu não quisesse compartilhar [risos].

5.
Popload – Qual é seu autor favorito? E o diretor de cinema?

Larissa – Antes de tudo eu preciso dizer que não sou uma leitora de autores. O que dizer sobre a autora de Harry Potter, livro que marcou a minha geração? [risos]. Por outro lado, eu tive pai, mãe, avó e avô cientistas sociais… Em casa as referências eram de sociologia/antropologia/filosofia. Então boa parte da vida eu acessava mais ensaios e textos acadêmicos do que histórias. Posso citar Bell Hooks, Emma Goldman, Simone De Beauvoir… Foram mulheres que me trouxeram ao meu entendimento de mundo. Mas ultimamente quem está me virando a cabeça é o Paramahansa Yogananda, um guru indiano que fez e testemunhou muitos milagres. Diretor também é controverso, pode ser o filme? Acho que o filme da minha vida é “Dançando no Escuro”. Lars von Trier + Bjork, para você ver como sou gótica por dentro [risos]. Mas meu filme brasileiro favorito se chama “Divino Amor”, e eu nem sei o nome do diretor, veja você. 

6.
Popload – Dos discos que fizeram sua cabeça, quais são os três que te perturbam a cada revisita?

Larissa – O “Axis Bold As Love” do Jimi Hendrix ainda me mata a cada ouvida. Principalmente porque me leva a uma época em que muitos amigos que já partiram estavam presentes. Outro dia eu fui reouvir a trilogia racional do Tim Maia e pô, não tem para ninguém, né? Arrepio só de pensar. Viva a Tijuca. E o “Cartola 76”, não tem como não citar, é o moinho que me embala no chororô, lembrando das avós, dos tempos de serestas, os sambas que não saiam da vitrola. Só porque você pediu para citar três, eu vou citar quatro. O “Kid A”, do Radiohead.  Envelheceu bem. Me representa todinha ainda. Bandassa.

7.
Popload –
Complete esta frase: Fazer arte para não fazer…

Larissa – Fazer artes para não fazer mais tristezas e bobagens políticas neste mundo, que anda precisando de cor.

8.
Popload –
São tempos duros de muito medo e apreensão com o futuro por mil questões. Do que você não tem medo?
Larissa –
Nesta vida, eu só não tenho medo da morte. O resto das coisas da vida, eu morro de medo, sim. Medo é bússola, onde ele mora é onde mora o nosso desejo mais profundo. Falo isso sempre, hehe Tem que ir com medo mesmo, galera!

9.
Popload –
Me diz uma palavra que gostaria de apagar do mundo e outra palavra que gostaria que fosse mais presente.
Larissa – Ódio, né. Tem que apagar. Mas será que apagar a palavra, apaga também os feitos dela? E tinha que ter mais axé, o sopro de vida, o encantamento, o movimento, a força vital… Essa palavra sim tinha que estar mais presente. É uma noção de conexão com o planeta que reconecta a gente a uma outra visão de porquê estamos vivos. Axé lembra a gente que dentro da carne mora uma consciência viva que não sabe matemática, mas gera as coisas mais lindas possíveis de experienciar.

10.
Popload –
O que você quer daqui pra frente?
Larissa –
O que eu quero daqui para frente é conseguir sentir paz [risos]. Tamo aí, né, muitas batalhas, muitos medos, muitas curvas. Tô com disco novo no forno, show novo, turnê nova, querendo botar as coisas pra rodar, fortalecer parcerias como essa com a Mora Lucay que saiu agora, rodar latino américa, saudar nossas latinidades, nossa força, nosso axé, que é o futuro desse compasso doido que a gente está chamando de mundo.

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* As fotos de Larissa Conforto, a ÀIYÉ, usadas neste post são de Hannah Carvalho @hnnhcrvlh

MDE 1 – horizontal miolo página

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Postado por Vinicius Felix   dia 28/05/2025
CIRCUITO #2 quadrado interna
Terreno Estranho – horizontal fixo Mark Lanegan