Do ambient ao metal. Como nasce um festival tão… diferente e necessário como o Novas Frequências, que começa nesta semana. E por que realizá-lo é um ato de resistência

No reino dos incontáveis festivais da CENA brasileira hoje em dia (porque nem sempre foi assim!), a gente conta nos dedos os que são realmente true, apontadores de caminho e, antes de tudo, um “festival de resiliência” como o “diferente” e vanguardista Novas Frequências, que tem sua edição de 15 anos começando nesta quarta-feira dia 3 até o próximo domingo 7 no Rio de Janeiro, sua casa latente, emendando uma perna paulistana de 8 a 13.

Todos esses pormenores rítmicos que você ouve por aí no experimentalismo e além, tipo música concreta, eletrônica distorcida, minimalismo dub, glitch, hip hop lo-fi, emo trap e art rock, tudo às vezes junto e nem sempre misturado, você sempre encontra em gestação no Novas Frequências antes de sofrer outras mutações estilísticas e ir parar, por exemplo, no mainstream.

O Novas Frequências, na verdade, é um festival de arte numa concepção geral, dado seu combo de concertos, performances, festas, “caminhadas sonoras”, instalações, peças montadas para “exibição” aos olhos e ouvidos desde uma casa de show até tendo como espaço igrejas, galpões, escolas, praias e cachoeiras.

Para entender melhor o que se passa na cabeça de seu curador, Chico Dub, a gente convidou o Davi Maia para conversar com o dono do rolê, à luz dessa edição histórica. O papo você lê a seguir.

Para entender melhor o que se passa neste Novas Frequências, confira as atrações e a programação completa aqui.


Popload – O que é modelar o line-up de um festival como o Novas Frequências? A que detalhes você se atenta para fazer o convite; e, mais que isso, como é a sua pesquisa para conhecer e chegar a novos nomes para a composição das escalações? Quero a receita de uma curadoria inventiva, fora do óbvio e que bebe sim de cenas multiplamente underground para pinçar possibilidades únicas.
Chico Dub – A espinha dorsal do Novas Frequências sempre foi ocupar espaços de música, de arte e também ambientes públicos ou inusitados ao longo de vários dias de programação. Nem sempre dá para fazer isso ($$$), mas quando acontece o tiro é certo. Desenhar o line-up é meio como discotecar e montar um quebra-cabeça ao mesmo tempo. Você precisa construir uma narrativa, contar uma história com personagens/peças bem diferentes entre si, para que no fim das contas isso tudo se costure numa experiência rica, diversa e cheia de camadas.

A pesquisa é diária, não tem fim. E, na real, não tem muito mistério: tem que ficar de olho em quem está lançando discos incríveis, em quem está com shows memoráveis mas nunca tocou no Brasil, e também mergulhar no underground onde sempre aparece alguém fazendo algo realmente novo. Tem que ler, tem que ir a show, tem que ir a festival, tem que viajar…

E tem outra camada importante: encomendar trabalhos inéditos. Seja juntando artistas que nunca tocaram juntos, seja criando uma residência artística ou propondo algo que tire um artista da sua zona de conforto. Acho que a curadoria inventiva nasce justamente disso: desse garimpo constante e dessa vontade de mostrar o novo.

Popload – Se o modelo tradicional de festival está saturado, qual seria, na prática, o contorno desse “novo formato” que você imagina para o Novas Frequências? O que deixaria de existir e o que começaria a existir?
Chico Dub – Eu testou há muito tempo buscando formas de o Novas Frequências atuar em outras frentes que não sejam somente na ponta da cadeia ou do ecossistema da música, que é o palco. E, no meio desse processo — que já dura uns bons cinco anos — venho sentindo que o “modelo festival” está se esgotando. Festival virou feijão com arroz. Tem festival demais hoje em dia, né? Banalizou.

Então acho que é um momento e tanto para outras configurações, outras formas de existir. Porque senão, meu amigo, a gente vai ser esmagado pelo mercado. Eles não querem que a gente exista. Inovação é uma palavra bonita, mas na prática, mesmo, parece que já não encontra mais espaço no Brasil.

Popload – Como é que se cria inovação num ecossistema onde todos os incentivos levam para a repetição? Quem precisa se mexer primeiro: os artistas, o público, as marcas ou os curadores?Chico Dub – As marcas vão ser sempre as últimas, né? Morrendo de medo de arriscar, esperando tudo virar tendência para aí, sim, fingirem que descobriram algo. É triste ver a cultura do país na mão de diretores de marketing tão preguiçosos, tão pouco curiosos, tão satisfeitos em repetir a mesma receita de sempre. Já pensou se, em vez de querer ser artista, a galera resolvesse virar diretor de marketing? Ou melhor: se os artistas resolvessem assumir esses cargos? Aí sim as coisas andariam. Menos publicitários na profissão e mais artistas… Imagina só que bom que ia ser! Hahaha.

Popload – Você enfatiza que curadoria é também narrativa. O Novas Frequências já celebrou, por exemplo, o Carnaval fora de época. Qual é a narrativa secreta (ou mesmo inerente) da edição de 15 anos? Existe um tema oculto, algo que você mesmo percebeu só depois que o line-up estava montado?
Chico Dub – Essa programação de 15 anos só nasceu mesmo porque tem artistas que realmente querem tocar no festival e que compraram o nosso barulho – mesmo ganhando pouquíssimo. Artistas que querem somar, que acreditam no que construímos.

Então, meu amigo, narrativa secreta eu não sei se tem, não. Até porque estamos falando publicamente, (bem) alto e em bom tom: NÃO TEMOS PATROCÍNIO! NOS AJUDEM! COMPREM INGRESSOS! Hahaha. Se existe uma narrativa, é a narrativa do desespero.

Popload – Que artistas ou cenas brasileiras você considera que deveriam estar (e ainda não estão) no radar internacional?
Chico Dub – Diria que estamos com um burburinho muito massa lá fora na música eletrônica de pista e nas margens mais extremas do rock. Mas, no geral, ainda é pouco. Cabe não só mais gente, como cabem outras cenas: música improvisada, drone/dark ambient, arte sonora… Tudo isso praticamente não aparece no radar internacional.

Ter, sei lá, somente um ou dois artistas brasileiros por edição em festivais como Unsound, CTM, Rewire, Atonal ou Big Ears é um crime. E não ter artistas brasileiros (e sul-americanos, viu?) sendo resenhados todo mês na revista “The Wire” é, sinceramente, vexaminoso.

Popload – Em meio a uma epidemia de Suno AI, reproduções de fórmulas na indústria musical e discussões sobre a viabilidade de sustentar modelos de remuneração como o do Spotify, qual o papel de um festival como o Novas Frequências neste momento junto a artistas independentes?
Chico Dub – Eu, sinceramente, acho que a existência de um festival como o NF nunca foi tão importante como agora. É muito triste, por exemplo, que nós, o Chiiii e o Índex não conseguimos patrocínio. Desde que o mundo é mundo, festivais são vitrines de novos artistas, gêneros e produções. Sempre foram.

Se plataformas que fomentam o desenvolvimento de novos artistas e novas linguagens deixam de existir, como é que vai acontecer a renovação da arte? Quem vai assumir esse papel? Estamos caminhando numa corda bamba bem perigosa aqui.

Acima, a musicista e produtora canadense Kara-Lis Coverdade, que bota piano e órgão em universos contemplativos e radicais da eletrônica. Foto de Norman Wong, inclusive a da home da Popload. Abaixo, o rapper paulista Novíssimo Edgar, que se junta aos cariocas Os Fita para um encontro de rap, eletrônica e experimentação

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Postado por Lúcio Ribeiro   dia 01/12/2025
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