Às vezes falamos aqui na Popload sobre o que chamamos de “show filho-único”. Aquela banda que você só terá apenas uma oportunidade de ver aqui no Brasil – depois, nunca mais. Eu já tive o prazer de cobrir alguns desses para a Popload (Daughters, King Crimson e Neurosis). Nesta sexta-feira, em São Paulo, teremos outro.
Refused, a lenda sueca do punk hardcore que surgiu e desapareceu nos anos 1990, só para voltar maior que nunca em uma reunião em 2012, fará apresentação única no Brasil no dia 31 de outubro, no Terra. E será única mesmo, pois a banda está em sua turnê de despedida. 
Em entrevista à Popload, conversamos com o vocalista Dennis Lyxzén sobre o fim da banda, política, cancelamento, a série “The Bear” e o videogame Cyberpunk 2077 – do qual a banda fez parte da trilha sonora.

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Popload – Bem, essa turnê está sendo anunciada como a última do Refused. Que garantia temos de que é realmente a última, ao contrário do que já fizeram tantas outras bandas, como Scorpions, Mötley Crüe, Deep Purple?
Dennis Lyxzén – Não se esqueça do Slayer! [Risos] Não temos um contrato assinado com sangue. Basicamente, o David [Sandström, baterista] não está interessado em tocar mais com o Refused e ele é um cara incrivelmente teimoso. Fizemos uma reunião, acho que não estaremos interessados em fazer outra no futuro.
Popload – Também queria saber mais sobre os discos lançados na reunião. Tantas bandas voltam e lançam apenas um disco novo, mas vocês lançaram dois (Freedom, em 2015, e War Music, em 2019). Por que não fizeram ainda mais?
Lyxzén – Bem, a motivação para fazer música é que somos artistas. Não estamos interessados em ser uma banda apenas pela nostalgia – e sei que isso é irônico, porque tocamos um monte de músicas antigas. Mas esse é mais um motivo para pararmos com a banda. Depois de “War Music”, Kristofer [Steen, guitarrista] saiu da banda durante a pandemia. Começamos a compor material para o que seria um terceiro disco na reunião, mas boa parte do que fizemos não soava necessariamente como o Refused. Então decidimos que, se queríamos continuar criando música, era melhor não fazer um disco do Refused que ninguém quisesse ouvir. Então preferimos compor com outros projetos. 
Popload – Sei que você coleciona discos. Às vezes você se sente mal por ter comprado um disco e não o tocar?
Lyxzén – Sim, isso acontece. Você fica tão animado para comprar um disco, aí ele fica ali, parado. Discos são feitos para serem tocados e amados, não apenas objetos em uma coleção. Mas há um limite te tempo para tantos discos que tenho que ouvir.
Popload – Eu queria te perguntar sobre o jogo “Cyberpunk 2077”, para o qual você contribuiu com algumas músicas. Eu o comprei em seu lançamento, no fim de 2020. Você estava ciente do estado em que ele foi lançado, em relação aos seus inúmeros bugs?
Lyxzén – Bem, eu não jogo videogames, mas, quando ele foi lançado, as pessoas fizeram questão de me informar desses problemas. [Risos] Eu sabia que era um negócio meio “Chinese Democracy”, que eles trabalharam tanto nele que simplesmente precisavam lançá-lo algum dia. Sei que havia coisas a serem consertadas, mas, pelo que ouvi, finalmente consertaram.
Popload – Você sabia que estava emprestando seus vocais a um personagem que teria a aparência do Keanu Reeves, e que ele gravaria os diálogos?
Lyxzén – Não! Quando nos contrataram, disseram que teria um ator interpretando o personagem, e que eu só faria a sua voz de canto. Quando eu estava gravando, tinha um coach vocal lá, falando umas coisas tipo, “Isso não soou americano o suficiente”, e eu ficava sem entender. Alguns meses depois, teve um evento de games em que anunciaram o Keanu no jogo. Aí minha melhor amiga mandou uma mensagem me avisando, e eu descobri com o resto do mundo que o meu personagem era o mesmo do Keanu Reeves. Era para ter um grande evento de lançamento na Polônia, com a banda e o Keanu, mas aí teve a pandemia, e nunca aconteceu.
Popload – Eu também queria saber sobre a série “The Bear”, que tem usado extensivamente a sua música “New Noise”. Como esse processo aconteceu?
Lyxzén – Geralmente, se um programa de TV ou um filme quer usar sua música, te pedem permissão. E geralmente aceitamos, porque achamos legal ter a música em outra mídia, mas nunca topamos comerciais. Recebemos um e-mail dizendo que uma série nova queria usar uma parte de “New Noise”. Aí, quando eu vi o episódio e percebi que ela virou praticamente uma música-tema da série, fiquei tão impressionado. E agora ela já apareceu em todas as temporadas da série!
Popload – Dez anos atrás, quando vocês lançaram “Dawkins Christ”, eu fiquei um pouco preocupado que vocês estivessem criticando o Richard Dawkins [cientista e escritor], porque eu estava lendo seu livro “Deus, um Delírio“
Lyxzén – Não é uma crítica a Dawkins! Estávamos apenas falando sobre o espectro da religião e do ateísmo. Eu também gosto do Dawkins, mas muitas pessoas usam o ateísmo quase como uma religião, sendo bem fundamentalistas e restritos, e tendo Dawkins como um líder. Na verdade, gosto de várias obras dele.
Popload – Mas agora, anos depois, vemos como Dawkins está sendo massacrado, especialmente pela esquerda, porque ele passou a ter pontos de vista extremamente conservatdores, especialmente a respeito de pessoas trans. Você conseguia imaginar que ele iria por esse caminho?
Lyxzén – Não, eu não tinha ideia alguma. É difícil prever o que as pessoas serão quando envelhecerem. É uma pena que tantas mentes progressivas tenham ficado tão conservativas. 
Popload – Você já teve isso com algum dos seus heróis pessoais?Lyxzén – Uma das minhas bandas favoritas era o Redskins, um grupo bem político da Inglaterra, e eles têm uma música que diz, “Take no heroes, only inspiration”. Sempre me identifiquei com essa mensagem de não ter heróis. Tem gente como o John Lydon – eu amo o Sex Pistols e o Public Image Ltd, mas hoje ele parece mais um doido rabugento da direita. O mesmo acontece com o Morrissey. Eu sempre fui apaixonado pelo hardcore de Nova York, mas tem um pessoal daquela cena que enlouqueceu. Tive que deixar de seguir um monte de gente no Instagram por causa das coisas que eles escrevem hoje.
Popload – Você já teve medo de continuar por muito tempo com o Refused e acabar mudando algum ponto de vista, manchando o legado da banda?
Lyxzén – Não, acho que temos sido bem consistentes com nossa mensagem. Nós queremos continuar fazendo música, mas queremos criar algo novo e diferente que não seja dentro do Refused.
Popload – Qual é um estilo musical que você escuta e que surpreenderia as pessoas?
Lyxzén – Eu tenho uma coleção bem variada. Eu amo música barulhenta. Eu amo afrobeat e psicodelia brasileira. Amo tudo que é um pouco esquisito e diferente. Amo country antigo. Mas nunca é algo que tenta ser mainstream ou deixar as pessoas felizes – são coisas que deixam as pessoas se sentindo esquisitas [risos].
Popload – Você já gostou de um artista de quem discorda politicamente?
Lyxzén – Bem, com uma coleção de 14.000 discos de vinil, é difícil concordar com todo mundo. Tem coisas que eu não consigo apoiar politicamente. Mas tem muita música criada por indivíduos bem complicados, tipo GG Allin, que eu consigo ignorar os problemas e curtir a música. 
Popload – E o que você diria para as pessoas que discordam com a política da banda, mas gostam da música e querem ir ao show?
Lyxzén – Não tem problema. Uma coisa linda da arte é que você pode decidir o que quer extrair dela. Para mim é esquisito, porque, se você não gosta da nossa política, você não gosta de verdade da banda, porque tudo nela é baseado em política [risos]. Mas eu também entendo que você pode apenas gostar da energia das músicas. Não tem uma lista de requisitos para poder gostar da banda.

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* O Refused se apresenta nesta sexta-feira em São Paulo, no Terra SP, com abertura da banda Eu Serei Hiena. Você pode comprar ingresso online aqui. O show é uma ação conjunta dos selos Balaclava Records e Powerline.