Top 50 da CENA – Emilinadorzinho é noise! Lau e Eu e o segundo lugar. E as conversas de Rashid fechando o pódio

A gente gosta de tudo que é música boa, mas vocês sabem da nossa predileção por bandas bem barulhentas. Daí nossa satisfação em ter uns malucos tipo do Eliminadorzinho honrando o noise rock nacional. E eles não estão sozinhos nessa. Mas vamos por partes.

Sendo um pouco crítico demais, dá para dizer que o rock brasileiro, especialmente a partir dos anos 1970 e 1980, aprendeu a falar português abdicando um pouco do que de mais torto tem na sonoridade do rock feito em inglês. Um truque, em especial, foi deixar sempre a voz muito acima do instrumental. Com o tempo, essas limitações foram sendo quebradas, soluções foram encontradas. Mesmo assim, nos anos 1990, para dialogar com o indie rock barulhento de Sonic Youth e cia, muitas bandas brasileiras voltaram ao inglês para dar encaixe. Com o eliminadorzinho, que tem seu nome inspirado em uma música dos Youth, essa barreira do idioma parece nunca ter existido. Eles conectam perfeitamente a barulheira noise com letras em bom português, resolvendo uma questão fonética de décadas. Ouça e ateste. 

Todas as músicas em “Feroz Comum Silêncio entre Nós… Pt.1”, novo álbum de Lau e Eu, terminam com reticências. Dos muitos significados possíveis, o próprio Lauckson Melo, dono da persona Lau e Eu, conjectura se tratar do não dito em qualquer relação humana. “Percebi que muita coisa não se resolve conversando”, escreve o compositor. Parte do que fica no ar está em “O Sonho de Minele” e sua melancolia de fim de tarde ao relatar os dias seguintes a um término de relacionamento, prova da capacidade do compositor em traduzir sentimento em forma de música… 

Não muito depois de ter virado pai, Rashid perdeu o próprio pai. A dureza do processo de luto e das muitas reticências nessa relação viraram o single “Conversas Que Nunca Tivemos”, onde o rapper desfila com sinceridade crua os lados bonitos e os nem tão bonitos assim da relação de pai e filho. A conversa pessoal que ressoa na vida de geral, afinal, dores compartilhadas por todo mundo, praticamente. 

Cida Moreira e Rodrigo Vellozo construíram no palco sua relação musical ao reunirem suas vozes e pianos para remontar canções de compositores diversos: Benito di Paula, Rodrigo Campos, Arlindo Cruz e Zeca Baleiro. Um ano e muitas apresentações depois, o espetáculo ganha vida em disco, “Com o Coração na Boca”, reunindo parte do repertório dos palcos, mas registrando a totalidade da intensidade das interpretações. Os dois pianos conversam, sacodem, repercutem o cantar e transformam sambas em peças dramáticas, como se revelassem o que a composição original sempre quis dizer, mas estava escondido. Maior exemplo disso, “Velocidade da Luz” e sua letra desesperada.  

Não nos lembramos de ver a Bike, uma das nossas bandas psicodélicas mais queridas aqui e lá fora, tão sacolejantes quanto em “Sucuri”. O single antecipa o próximo disco da banda de São José dos Campos, “Noise Meditations”, previsto para setembro. Ao que parece, rodar o mundo fez eles ficarem mais brasileiros ainda. A letra interpreta uma lenda dos indígenas Kaxinawá.  

Ninguém nomeia uma faixa como “BADU & 3000” inocentemente. Ao fazer referência a Erykah Badu e Andre 3000, Joca entrega muito mais que um dueto com Ebony, uma love song onde querem ser o casal mais quente do hip hop, igual Badu e 3000. Ao citar o casal, Joca também informa suas ambições. Estamos falando de dois artistas imensos, atentos a sua obra, lançando novidades sempre a conta gotas, com cuidado e esmero. Joca vai por esse caminho. “CORTAVENTO” vem seis anos depois de sua estreia, o já cult “A Salvação É pelo Risco: o Show do Joca”, trabalho bem menos ouvido do que merece. É um tempo enorme de espera para um artista jovem, todos pressionados a produzir. Mas, ao desrespeitar o tempo do mercado, o artista mineiro crescido em Niterói lembra os ídolos e faz valer a espera. “CORTAVENTO” não tem aresta, fio solto, correria ou parte malfeita. Os beats e letra estão em casamento, Joca respeita sua pesquisa musical diversa nas batidas ao escrever e vice-versa. Os temas são muitos: amor, sexo, rua, religião, sonho, desejo. Os ritmos também: “Da linguagem eletrônica contemporânea rumo às batucadas de terreiro, mostrando que tudo isso está conectado”, escreve Joca. Uma prova de sua conexão com o real: o volume de amigos do próprio rapper compartilhando suas impressões sobre o disco nas redes sociais. Impressões honestas, emocionadas, longe de serem mera “divulgação”. É sobre paixão. Paixão pela vida, de gente interessada, na busca por algo.    

No EP “Lili”, o rapper Marabu faz uma pequena obra conceitual sobre liberdade guiada por piano constante que atravessa as três canções do trabalho. A cada canção, as letras desafiam as prisões da vida, da cadeia à segregação geográfica (“Eles voltarão a ter medo do Haiti”), enquanto a musicalidade do disco também vai ganhando vida ao se soltar das correntes. O piano minimalista do começo começa a dançar, a percussão aparece e a mensagem de Marabu ganha força ao ser expressa de forma tão complexa e rica. “Rubato”, nome da faixa de abertura e esta de destaque aqui, é um termo da música para indicar quando o músico “rouba” o tempo de algumas notas. Nesse “roubo” que se dá personalidade em uma interpretação. Pense na voz e no violão do João Gilberto, por exemplo. Marabu usa o rubato em música e verso aqui, se apropriando de volta das notas, da cultura, dos lugares, de tudo que lhe foi tomado à força. Daí ser uma sacada e tanto usar um termo mais associado à música clássica em um som cheio de funk, ambos os gêneros cheio de “rubatos”, mas tão separados por classicismo. “Essa é pra todos vocês que prezam pela liberdade do ser, pensar e agir”, escreveu o rapper em seu Instagram. É por aí.     

Artista de Americana, interior de São Paulo, DO PRADO chega ao seu primeiro álbum, “Quantas Vezes É Possível se Apaixonar?” com uma consciência boa do que quer fazer após dez anos de estrada. Atento ao pop mais mainstream e também aos nomes mais alternativos da CENA brasileira, ele conta estar atrás de um intervalo perfeito entre as duas coisas. Nessa busca, salta aos ouvidos o esmero da produção do álbum gravado entre Minas Gerais e São Paulo. Tá pronto para o rádio, só falta as rádios estarem prontas para DO PRADO. E terem mais carinho com vozes que não dizem as mesmas coisas de sempre. 

O Berlim do Pará já nos conquistou pelo nome, lógico. Era um sonho nosso ter uma banda chamada Berlim do Pará, pô. E aqui está ela nas mãos de Marisa e Fernando Feitosa. A formação do nome foi bem prática, aliás. Ela é do Pará e ele é um brasileiro em Berlim. Mesmo à distância, o relacionamento musical deles deu match. Na preparação do álbum de estreia, andam soltando singles ao pouquinhos, como esta melancólica e nublada “Dias por Ardor”. 

Por falar em bons nomes artísticos, é de se pensar como um apresentador de auditório anunciaria a AMANDONA!. A exclamação no nome entrega de cara sua intensidade, sua vontade de agarrar a vida. O seu álbum de estreia se chama “Se Eu Pudesse Te Beijava até a Voz” não por acaso. Vale prestar atenção também na produção de Luiza Brina, sutilmente ampliando aqui ideias que já vimos em álbuns seus, como se criasse um multiverso da Brina. Interessante demais. 

11 – Crizin da Z.O. – “Fatal” (com Edgar) (6)
12 – Mahmundi – “Macia Bahia” (7)
13 – YMA – “2001” (8)
14 – Ney Matogrosso – “Casinha Pequenina” (9)
15 – Ogoin e Linguini – “Sorte de Amor” (10)
16 – Rico Dalasam – “Dilema” (11)
17 – Mateus Fazeno Rock – “Melô do Sossego” (12)
18 – Walfredo em Busca da Simbiose – “Iridescência” (13)
19 – Clara Lima – “PHD” (14)
20 – Juvi – “Tomara Que Tu Não Seja Minha Prima” (15)
21 – Don L – “Iminência Parda” (16)
22 – Lupe de Lupe – “Vermelho (Seus Olhos Brilhanto Violentamente Sob os Meus)” (17)
23 – Joyce Moreno – “Um Abraço no João” (com Jards Macalé) (18)
24 – Bersote – “Desceu Amargo” (19)
25 – Luedji Luna – “Bonita” (com Alaíde Costa e Kato Change) (20)
26 – Marrakesh – “Cão” (22)
27 – Joaquim – “Emboscada” (23)
28 – Alberto Continentino – “Cerne” (24)
29 – Zé Ibarra – “Segredo” (25)
30 – Jadsa – “Samba pra Juçara” (26)
31 – Gab Ferreira – “Ponta da Língua” (28)
32 – Mateus Aleluia – “No Amor Não Mando” (29)
33 – Alaíde Costa – “Bandeira Branca” (com Amaro Freitas) (30)
34 – Antropoceno – “Queda do Céu” (31)
35 – Eduardo Manso – “FRB 20220610A” (32)
36 – clara bicho – “Meu Quarto” (33)
37 – Stefanie – “Fugir Não Adianta” (com Mahmundi) (34)
38 – Maré Tardia – “Ian Curtis” (35)
39 – Vera Fischer Era Clubber – “Lololove U” (36)  
40 – Josyara – “Eu Gosto Assim” (37)
41 – Rael – “Onda (Citação A Onda) (com Mano Brown e Dom Filó) (39)
42 – Cajupitanga e Arthus Fochi – “Flamengo” (40)
43 – Jovens Ateus – “Mágoas – Dirty Mix + Slowed Reverb” (42)
44 – Terraplana – “Todo Dia” (44)
45 – Apeles – “Mandrião (Vida e Obra)” (45)
46 – ÀIYÉ e Juan De Vitrola – “De Nuevo Saudade” (46)
47 – Dadá Joãozinho – “As Coisas” (com Jadidi) (47)
48 – Gabriel Ventura – “Fogos” (48)
49 – Nyron Higor – “São Só Palavras” (49)
50 – BK – “Só Quero Ver” (50)

https://open.spotify.com/playlist/7JbCpBlfKAIAvvRW5ATOkV?si=821016d187e84751

***
* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o trio Eliminadorzinho.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro Vinícius Felix.

MDE 1 – horizontal miolo página
terrenoestranho-greenday-horizontal fixo