Top 50 da CENA – Som, sexo e liberdade. Por Deize Tigrona, Jujuliete e Apeles

Nosso top brazuca da semana chega quente. Cenas da noite de São Paulo ou de outra metrópole _ talvez até uma big city imaginária _ estão aos cacos em pedaços de “25 de Abril”, de Deize Tigrona, “Dominatrix”, de Jujuliete, e “In God’s Hands”, de Apeles. Sexo, liberdade, busca – o que o dia finge não permitir. E o que muitos ficam cegos de ódio para ocultar. Ok. A arte cuida de revelar.  

É dia de poliamor, avisa Deize Tigrona. O resto da letra alguns vão considerar impublicável – a gente “respeita” os puritanos, até porque o play vai ser muito mais saboroso do que nossa mera reprodução – e sabemos que até eles vão clicar. São Paulo é isso aí – e aqui vamos juntos com Deize em um longo dia pela cidade com complemento psicodélico dos Boogarins, deixando a música deliciosamente despedaçada.

E, por falar em chocar puritanos, eles também vão tremer com o novo single da multiartista e referência da cultura ballroom Jujuliete. Acompanhante de Badsista, Juju coloca em dosagem descontrolada de funk e house um pouco de sua liberdade e atitude – e com um sotaque interessante, meio brasileiros/meio global. Ela avisa: “É sobre vivência e realidade, contextos da minha própria realidade e da comunidade de onde venho”. E para quem manja pouco sobre ballroom saiba que Jujuliete está bem de boa em Paris neste momento, como parte de um júri com ícones do ballroom, no chiquérrimo Chaillot Théâtre National de la Danse. Foda.

Parte de seu próximo trabalho de estúdio, uma reunião de artistas do mundo todo, “In God’s Hands” é o novo single de Apeles, que vem acompanhado novamente por um supertexto de Hélio Flanders, diretor musical do novo projeto. “Toda busca é vã sem o objetivo, dizia o Eclesiastes. Toda busca é pecaminosa, dizia vó Glória. Toda busca é o grande objetivo, dizia seu coração”, escreve Flanders ao falar de uma procura descrita em vídeo e música por Apeles em parceria com a cantora portuguesa/britânica Bernardo. É noite, pista de dança, carro que acelera. Estamos perto de lá? “Evening looks the same to me/ The city looks the same to me”.

Fazia tempo que a gente não escutava uma música com uma historinha tão apaixonada e divertida. “Quem é Juão”, parte do novo álbum do talentoso Jota.pê, “Seu o Meu Peito Fosse o Mundo”, é uma verdadeira pequena comédia romântica sobre um compositor que sempre tenta levar a melhor com suas canções, mas as coisas não sabem bem como ele esperava. Daquelas músicas leves que pedem um repeat e botam um sorriso bobo no rosto. Um feito que não é para qualquer um.

“Delta Estácio Blues”, álbum solo de Juçara Marçal e um dos melhores lançamentos de 2021, segue rendendo. Após ganhar um EP com faixas que não couberam na obra, vem aí um disco de remixes que promete elevar a obra “do funk ao techno, do amapiano ao industrial, apresentando um panorama diverso, marcado por processos de reconstrução e reinvenção das faixas originais”. O primeiro gostinho dado é a reconstrução do DJ Ramemes para a faixa “Ladra”, canção que é de autoria de Tulipa Ruiz. A gravação original já carregava um tanto de remix, digamos, ao trazer Juçara, a partir da própria voz, criando sua própria Tulipa. Um processo de imaginação, já que a própria Tulipa ainda não gravou sua versão de “Ladra” e talvez nunca grave, mas Juçara foi Tulipa ali buscando o estilo vocal da cantora. Um processo para lá de interessante e que se amplifica em sentido com Ramemes picotando a gravação original dentro de uma batida densa de funk. Ramemes mexe com a voz de Juçara e também reescreve a letra de Tulipa com inserções, deixando a “Ladra” dentro de um baile do Ramemes. Achamos mídia, para ficar no bordão do DJ. Música só no Bandcamp dele, aqui.

O pianista Amaro Freitas, do grandioso “Sankofa” de 2021, chegou com “‘Y’Y’, trabalho que é fruto de  suas andanças por Manaus e de uma conexão sua com os Sateré-Mawé, comunidade daquela região. Tanto que é dessa ponte que vem o título. Y’Y no dialeto indígena Sateré Mawé significa “água ou rio”, explicou Amaro. Exímio contador de histórias, Amaro não traz do seu rolê novidades para o piano. Na verdade, ele leva o piano para dentro da floresta e carrega a gente junto – uma habilidade de transportar ao modos de Naná Vasconcelos, homenageado aqui. É como se o ouvinte estivesse na beira do rio, percebendo o cenário, vendo a rotina – mais que isso, o piano vira o próprio rio em determinado momento e mergulhamos como Amaro. Através da participação de músicos do mundo inteiro, como Jeff Parker, Aniel Someillan, Brandee Younger e Shabaka, Amaro reconfigura tudo – o centro do planeta terra e a chave para um possível futuro estão aqui. Brasil. 

Com certeza você já ficou com alguma palavra na “ponta da língua”. A expressão explica um pouco do processo criativo de Sofia para o seu novo disco, tanto que virou o título dele: “O som precisou esperar enquanto o sentido das coisas (e principalmente a falta dele) se formava”, ela explicou. Em seu terceiro trabalho de estúdio, é a primeira vez que as letras das canções são suas – o silêncio foi a pausa para a avalanche de ideias, a ânsia de se colocar inteiramente nas músicas, sem medo de se expôr. E o resultado é esplêndido: só o verso “Desaprendeu a dormir/ Dormiu para não ter que aprender/ A desprender e deixar ir/ A despencar, deixar morrer” valem a vinda. E “Autofagia” ainda segue inspirada em sua descrição de um personagem que se enrola em preguiça. Daqueles discos que deixam cheio de boas ideias e sacadas para a vida. 

Na semana que a gente descobriu que a Luiza Lian e a Marina Sena estão virando amigas, outra amizade da Luiza brotou em música. Ela é a convidada de Papisa na belíssima, romântica e quente “Amor Delírio”, uma parceria sônica de Rita Oliva, o nome real de Papisa, com Tágua Tágua, codinome do senhor Felipe Puperi. Tudo em gravação luxuosíssima da Alejandra Luciani, engenheira de som que sempre faz mágica. Vale muito ver o vídeo da faixa: tem um ar meio David Lynch tropical. Após três singles, “Amor Delírio”, “Dores No Varal” e “Melhor Assim”, agora é esperar por esse disco chegar logo.    

Achamos por aqui que “Cererê”, quinto álbum da excelente banda goiana Carne Doce, é o disco maduro do grupo do casal Mac e Salma. E parece que eles concordam ao verem no álbum pedaços de suas outras obras. O que significa que o amálgama de indie rock com algo de MPB que eles sempre fizeram está fresco e rico – a junção das melodias de guitarra que cantam com Salma estão todas lá. O ar de retrospecto está cantando em “Cererê”, que remete ao centro cultural de Goiânia que foi e é parte da resistência da música local .

Um dos nossos artistas favoritos hoje é o alagoano Bruno Berle. Seu inventivo som sempre ao lado do parceiro Batata Boy carrega algo que o Brasil precisa contar para o mundo inteiro. Não por acaso, Bruno trabalha com os selos gringos Far Out e Psychic Hotline. E é por eles que sairá “Reino dos Afetos 2”. Sim, parece filme e talvez seja, mas fica assim a sequência de sua estreia “Reino dos Afetos”, lá de 2022. “Dizer Adeus”, segundo single adiantado, mostra que Bruno deixa mesmo o violão de canto um pouco atrás de algo etéreo da música eletrônica lo-fi, carregando no autotune para encontrar novas texturas vocais – uma trilha sonora para sonhos na luz do dia.

11 – Emicida – “Acabou, Mas Tem” (7)
12 – Caetano Veloso – “La Mer” (8)
13 – A Balsa – “Rede Social” (9)
14 – Tuyo – “Paisagem (com Luedji Luna)” (10)
15 – El Presidente – “Perigo no Sol (com Benke Ferraz)” (11)
16 – Kamau – “Documentário” (12)
17 – Sofia Freire – “Mormaço” (13)
18 – Josyara – “Ralé/Mimar Você” (14)
19 – Mahmundi – “Estácio, Holly Estácio” (15)
20 – BNegão – “Canto da Sereia” (16)
21 – Maria Maud – “02.02” (17)
22 – Pitty – “Femme Fatale” (Ao vivo) (18)
23 – Madre – “Sirenes” (19)
24 – Ayrton Montarroyos – “Peter Gast” (20)
25 – Guerra – “É Massa” (21)
26 – Céu – “Coração Âncora” (22)
27 – Raidol – “Imensidão” (23)
28 – Rodrigo Campos – “Gamei” (24)
29 – Thami – “Deixa Queimar” (25)
30 – Jup do Bairro – “Amor de Carnaval” (26)
31 – Jorge Aragão com Rappin Hood – “Mafuá” (27)
32 – Zarolcomzê – “Magnerwoura” (28)
33 – Luedji Luna e Xênia França – “Lua Soberana” (29)
34 – Chinaina – “Roubaram Minha Jóia” (30)
35 – Dead Fish – “11 de Setembro” (31)
36 – Pabllo Vittar – “Pede pra Eu Ficar (Listen to Your Heart)” (32)
37 – Jambu – “Lentamente” (34)
38 – Vandal – Violah (35)
39 – Clara Bicho – “Luzes da Cidade” (36)
40 – Parteum – “’12 6 10” (37)
41 – Psirico – “Música do Carnaval” (38)
42 – GRIYÖ – “Afropenobeat” (39)
43 – Rico Dalasam – “Jovinho” (40)
44 – Ogoin & Linguini – “Quando Tudo Começou” (41)
45 – Marabu – “Algo Me Diz” (42)
45 – Wado – “Dente D’ Ouro” (43)
46 – Tangolo Mangos – “Glauber Rocha” (44)
47 – Don L – “Tudo É Pra Sempre Agora (com Luiza de Alexandre)” (45)
48 – Giovani Cidreira e Luiz Lins – “Amor Tranquilo” (46)
49 – João Gomes – “Mais Ninguém” (47)
50 – Mart’nália – “Lobo Bobo” (48)

***
* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, a cantora Deize Tigrona.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.

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