Difícil encontrar um norte temático na lista desta semana. Tem luta e poesia, tem poesia e luta. Tem os novos, tem a tradição também. Música sobre si, sobre amor e sobre o mundo. Tá aí o que elas têm em comum: querem diagnosticar o que se passa. E haja dores e sorrisos.
Luan Santana acorda assustado de um pesadelo. No conto de terror noturno, ele era um astro da música sertaneja e cantava sobre encontrar alguém com quem passaria a vida todinha. Atordoado, olha para seu pôster do my blood valentine na parede, lembra da ex recente, pega a guitarra e escreve uma canção de nove minutos sobre desamor. Que papo é esse? A gente acha que foi isso que a Lupe de Lupe imaginou para escrever “Redenção (Três Gatos e Um Cachorro)”, primeiro single do próximo álbum do quarteto mineiro, “Amor”. Parece viagem nossa, mas não é. “A música mistura elementos da música gótica, do funk, do rock, do noise, do sertanejo”, descreve a banda. E de fato, temos aqui três guitarras malucas conduzindo uma música que desemboca num verso ecoando o Luan Santana da vida real – “eu, você, dois filhos e um cachorro”. Talvez a música tenha ainda mais de sertanejo, é questão de repertório cultural para sacar. Dito isso, Renan Benini, Gustavo Scholz, Jonathan Tadeu e Vitor Brauer anunciaram junto com o single uma super turnê pelo Brasil – um primor de organização, passando por todas as regiões do país e com todos os ingressos já disponíveis para compra, a maior parte pelo que vimos em casas pequenas da CENA de cada cidade. Um exemplo de trampo para a turma independente. É luta. A promessa é de shows longos, papo de duas horas passeando por toda a discografia da banda. Os caras sabem muito.
Nas capas das duas versões de “Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água”, Luedji Luna aparece na água sempre próxima do raso. “Um Mar para Cada Um” fecha essa trilogia hídrica, mas a profundidade agora é outra. A capa traz uma hidromedusa capturada por Alvaro Migotto, pesquisador da biologia marinha. A ida agora é para aquela região do oceano onde os humanos não vão. Essa viagem até as profundezas é uma visita a si mesmo de Luedji. Ela toca em intimidades e segredos seus, chega até suas inseguranças, revela desejos. Expõe seus monstrinhos marinhos, mas suas belezas também. Até o formato do disco lembra um mergulho – vamos indo fundo até a meiuca do álbum e depois vamos voltando à superfície. No som, está expressa essa viagem sendo o trabalho mais solto de Luedji até aqui. Ela não faz referência ao jazz, não é uma citação ao gênero, é tudo jazz. Uma ousadia tamanha já na primeira faixa, um instrumental, zero voz num disco de cantora. Outra pesquisa presente é o sound healing, terapia experimentada por Luedji e presente especialmente em “Baby Te Amo”. As boas frequências curam.
Branco dá a impressão de menos, mas é sinal de mais. Branco é todas as luzes. É o pós-Sgt. Pepper’s. Também é a cor da capa de “Big Buraco”, segundo álbum de Jadsa. E, olha aí, a grandeza tá no nome, entregando o conceito. Apesar de que “buraco” engana ali. Não representa fim ou vão, é uma porta/portal. Do outro lado da fotografia impressa na capa, que traz quatro Jadsas, encontramos ela na guitarra conduzindo um batalhão de músicos. O que não era possível em sua estreia agora se traduz em sopros, pandeiros, repiques, scratchs, rhodes e trompetes e mais. Muito mais. Um batalhão unido na criatividade, que teve pouco tempo para trabalhar, mas pensou em conjuntos os arranjos para as canções apresentadas. Quase tudo aqui em termos de arranjo é creditado a Jadsa, ao produtor Antônio Neves e a todos os músicos presentes em cada gravação. Nos timbres, um novo em elo com a Elis dos anos 70 ou o rádio do anos 2000, palavra da guitarrista e cantora. Ou cantoras? A multiplicidade do disco transborda na voz de Jadsa. Repare em “samba pra Juçara”, faixa escrita em parceria com sua “Big Mama”. Acredite, é só uma Jadsa ali. Mas não parece.
Na semana que a polícia brasileira coloca na cadeia um funkeiro e usa como argumento suas letras, um absurdo de tons ditatoriais, faz mais sentido ainda o alerta de Mateus Fazeno Rock no manifesto “Arte Mata”. Ao modo spoken word, Mateus aborda a precariedade e o perigo de ser artista brasileiro: “Eu quero ser o verso poderoso de quem poderia segurar a bandeira, mas tá sem forças. Aquele que caiu, mas vai se levantar; aquela que falhou, mas vai tentar de novo; A ARTE MATA”. Mais para frente, perto da conclusão, ele diz: “Artista nato, eu trago o ritmo como artefato e, das palavras, faço artesanato apenas por comida no prato, fazendo aquilo que foi destinado: mudar o mundo bem lentamente, fazendo a arte que morreu, a Arte morta. BRASIL MATA”. A arte é a ferramenta da mudança, forma de jogar pressão no errado do mundo, mas no Brasil custa caro para o artista ser quem ele é de verdade. Ou o mercado regula, ou a bala, ou a autoestima derrubada. Não é de hoje que a música inventiva no Brasil sempre esteve mais perto da fome do que da fama. Tom Zé quase desistiu. Sabotage foi assassinado. João Gilberto teve problemas financeiros. Agora mesmo, Angela Ro Ro suspeita que está com doença grave e sem poder trabalhar pede que os fãs ajudem com um Pix. Da poesia que a gente não vive é ser artista no nosso convívio. Mateus avisou. O single anuncia seu terceiro álbum. Chega em agosto.
É sintomático que os momentos mais comentados da turnê dos irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia tenham sido uma música gospel lançada há 3 anos e uma bronca de Bethânia durante um show. Ficou de lado “Um Baiana”, inédita de Caetano em homenagem ao BaianaSystem. Ok, ela só rolou nas duas últimas apresentações da tour, mas ainda assim, vamos ser melhores, né? Parte do álbum ao vivo registro da turnê, agora mais pessoas podem ouvir esse recado de paz frente aos homens da guerra. Caetano busca na energia de tocar multidões do Baiana a força para espantar os males do mundo. Quem já sentiu a vibração de Russo e a trupe no carnaval sabe do que o baiano está falando.
Ainda tem muito para ser ouvido e dito sobre o novo álbum do Rubel, do bom título “Beleza. Mas Agora A Gente Faz O Que Com Isso?”. Mas de cara ficamos com a interpretação ao violão para um clássico moderno. Vamos combinar que o “In Raibows” é o melhor álbum do Radiohead? Fechou.
Sabe quando um artista é visto em retrospectiva e a crítica tenta achar o ponto de entrada mais tranquilo para os iniciantes? Seguinte, não espere o futuro. A melhor hora para começar a ouvir eliminadorzinho, uma saudação sonicyouthana, é agora. Esse é o ponto de entrada antes da explosão. O humor e olhar da banda formada por Gabri Eliott, João Haddad e Tiago Schützer nunca esteve tão cortante. “A Cidade É uma Selva” zomba da tosquice farialimer, rica de dinheiro e pobre de espírito. Aqui, a poesia do trio transforma os novos riquinhos em bichos escrotos. “Escondam as crianças! Eles estão tentando te convencer… de que nada vai mudar!”
Ná e Zé são parceiros de muito tempo, ambos integrantes do incrível e veteraníssimo grupo Rumo. Ou seja, é até engraçado que agora exista um disco chamado “Ná Canta Zécarlos”, porque já tem tempo que ela canta Zécarlos. Mas o disco não reúne material antigo do Rumo, são inéditas de Zé com produção de Danilo Penteado, multiinstrumentista que é mais que um agregado à formação atual do Rumo. Parte do trabalho já tinha dado as caras em forma de EP em 2023, agora é um álbum – participa também Tulipa Ruiz.
Os rumos do grupo Rumo aparecem muito no novo de Marina Melo, “Ousar Abrir”, seu terceiro álbum e o mais aberto ao experimento, como o nome indica. Para montar o disco, Marina convidou um time que vive a CENA com ela: a produção é de Luiza Brina, já a direção vocal é da Lio e a captação das vozes é de Machado, ambos da banda Tuyo. Ná Ozzetti aparece como participação mais que especial em uma música imaginativa sobre uma cidade de silêncio e Carnaval, de gentileza e doçura, de convívio e harmonia. Uma cidade possível, veja só. Se você quiser, diriam Lennon e Yoko.
Paulo Mendes Campos listou em “O Amor Acaba”, crônica sua de 1964, as diversas moradas do fim do amor. Esqueceu de listar “a ponta da língua”, esse canto nosso onde fica o não dito. É daqui que Gab Ferreira parte: ““Esta música nasceu de conversas interrompidas. É sobre tudo que fica entalado — o quase dito, o sentido mas não expresso”. Gab canta no refrão com algum humor: “Talvez precise de mais coragem/ Ou talvez apenas ir dormir”. É verdade, uma noite bem dormida pode salvar o amor ou então confirmar nossas piores expectativas. “Ponta da Língua” assim como “Carrossel”, single anterior, estarão no primeiro álbum de Gab, previsto para este ano ainda. Promete demais.
11 – Gustavo Galo – “Viver É Fatal” (5)
12 – Mateus Aleluia – “No Amor Não Mando” (6)
13 – Alaíde Costa – “Bandeira Branca” (com Amaro Freitas) (7)
14 – Antropoceno – “Queda do Céu” (8)
15 – Digestivo – “Labuta” com Yvu (9)
16 – Nego Joca – “Nada Igual” (10)
17 – Julia Mestre – “Maravilhosamente Bem” (11)
18 – Vovô Bebê – “Star Smoker Sucker” (12)
19 – Catto – “Eu Te Amo” (13)
20 – Eduardo Manso – “FRB 20220610A” (14)
21 – clara bicho – “Meu Quarto” (15)
22 – Stefanie – “Fugir Não Adianta” (com Mahmundi) (16)
23 – Maré Tardia – “Ian Curtis” (17)
24 – Marrakesh – “Brincos” (21)
25 – Avenida Paulista, da Consolação ao Paraíso – “No Fundo, no Fundo” (Maurício Pereira e Gui Calzavara) (22)
26 – Vera Fischer Era Clubber – “Lololove U” (23)
27 – Celacanto – “Quadros” (24)
28 – Josyara – “Eu Gosto Assim” (25)
29 – Terno Rei – “Peito” (26)
30 – Rachael Reis – “Jorge Ben” (27)
31 – Bella e o Olmo da Bruxa – “A Melhor Música do Mundo” (29)
32 – Marina Sena – “Anjo” (32)
33 – Mahmundi – “Irreversível” (33)
34 – Superafim – “MOUTH” (com Duda Beat) (34)
35 – Rael – “Onda (Citaçaõ A Onda) (com Mano Brown e Dom Filó) (35)
36 – Leves Passos – “Ecos do Invisível” (36)
37 – Cajupitanga e Arthus Fochi – “Flamengo” (37)
38 – Djonga – “Demoro a Dormir” (com Milton Nascimento) (38)
39 – Jovens Ateus – “Mágoas – Dirty Mix + Slowed Reverb” (39)
40 – Danilo Moralles – “Fervo de Amor” (40)
41 – Ogoin & Linguini – “Vícios Que Eu Gosto” (41)
42 – Bufo Borealis – “Urca” (42)
43 – Terraplana – “Todo Dia” (43)
44 – Marina Melo – “Prometeu” (com Maurício Pereira) (44)
45 – Apeles – “Mandrião (Vida e Obra)” (45)
46 – ÀIYÉ e Juan De Vitrola – “De Nuevo Saudade” (46)
47 – Dadá Joãozinho – “As Coisas” (com Jadidi) (47)
48 – Gabriel Ventura – “Fogos” (48)
49 – Nyron Higor – “São Só Palavras” (49)
50 – BK – “Só Quero Ver” (50)
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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o grupo mineiro Lupe de Lupe.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.