CENA. O indie nacional finalmente amadurece, vive um boom de bandas boas, pessoas atuantes e ideias idem. E, finalmente, vira… uma cena

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* Pode chamar de pequena revolução da música independente ou, como vamos batizar este especial que começa hoje aqui na Popload, de “CENA”, um pequeno manifesto para mostrar que, no nosso entender, a cena independente brasileira nunca esteve tão madura. Dá até para chamar de… MILAGRE… uma cena.

O negócio é o seguinte:

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Eu milito no underground da música nacional desde o comecinho dos anos 90, quando os Pin Ups tinham um vocalista magrinho e tímido e tocavam para amigos em quintal da casa de alguém. Ou quando o Butchers’ Orchestra podia ser visto ao vivo em uma borracharia. Já vi o Los Pirata se apresentando debaixo de uma escada de um bar pulguento da Augusta, que não era nem nos lados do Baixo Augusta, que nem sonhava em ver seus puteiros serem invadidos por camisetas do Joy Division e Nirvana. E depois Strokes e Franz Ferdinand. Meu recorte aqui, veja bem, é paulistano.

De lá dos 90 até este especial aqui em 2016 muita coisa rolou, obviamente. Da festa London Burning, passando pela Torre do Dr. Zero, ao festival JuntaTribo, aos fenômenos Cansei de Ser Sexy e Bonde do Rolê, o Milo Garagem, a Mallu Magalhães, a Poplist, o “Lado B” da MTV, a coluna “Download” da Folha, de onde derivou a Popload, o Rio Fanzine no “O Globo”, a instituição goiana Fabrício Nobre, o DJ Club com a Julia Petit de hostess, as quintas do Vegas, a festa-loja Peligro, a Motor Music mineira, o selo carioca Midsummer Madness, o Scream’n’Yell do Mac, a banda Brincando de Deus, o Trabalho Sujo do Matias, o Beco de Porto Alegre, a Trama Virtual, o Studio SP etc. etc. etc. Não nessa ordem e cada um com sua importância, não dá para dizer que constituíam uma cena. Como você vê em grandes capitais independentes do mundo. Eram tudo iniciativas isoladas, de uma ou de um grupo de pessoas, que nasciam, ajudavam a cena por um curto ou longo tempo e depois, muitos, morriam ou esvaziavam.

Não estou dizendo que agora o Brasil tem uma cena tipo a americana, São Paulo virou Londres, Berlim é aqui. Mas acho que vivemos na cena independente um singular momento do AGORA. Uma conjunção de ações neste agosto/setembro que são um resultado feliz do pensamento “Aquilo Deu Nisso”. Uma azeitada movimentação “indie” (aqui entre aspas pelos vários significados) que inclui o que não tinha antes ou tinha de modo acidental.

Não acho coincidência que nos últimos 30 dias e nos próximos 30 a gente ter tantos lançamentos de discos legais e variados tipo:

* O primeiro e incrível álbum do duo guitarra-bateria Fingerfingerrr, banda que com um single já havia feito três turnês pelos EUA. Daquelas reais, de van e tudo. Marcadas daqui do Brasil, por eles mesmos, na unha. Imagina para onde eles vão com um disco bom desses.
* O ótimo grupo Carne Doce, da representativa cena de Goiânia, “ganhando” estúdio e profissionais e uma master de uma empresa como a Red Bull para lançar seu segundo álbum. Disco com a cara de Salma, sua personalíssima cantora, uma das duas vozes femininas mais importantes hoje da música brasileira, arrisco a dizer.
* O trio O Terno sendo bancado pela Natura para lançar seu caprichadíssimo terceiro disco, de “Indie fantástico”, que ainda terá financiamento para shows.
* O disco de estreia do rapaz mineiro JP, todo composto e gravado e bancado por ele mesmo com o dinheiro que ele arrecadou depois de vender pedais de guitarra.
* O impressionantemente bem-feito segundo disco da banda Inky, que remodela seu som de single a single, de disco a disco, e no currículo tem abertura para o LCD Soundsystem, shows no South by Southwest e Primavera Sound, trabalho com o produtor Steve Lillywhite (Rolling Stones, U2) e visa agora cravar seu nome tocando na América do Sul.
* O veterano “professor” Frank Jorge sair da caverna, abandonar o estilo “jovem guarda-rock gaúcho” e, aos 50 anos, fazer o álbum mais rock e pesado de sua carreira de dez discos (contando solos e em bandas).
* Ainda no sul, o menino Erick Endres, 19 anos de idade e 15 de guitarra, que já abriu para o Foo Fighters entre outras “façanhas”, lança agora um EP de quatro músicas em três línguas. Erick é o dito com a guitarra na mão. Acha que é o Hendrix, mas é “só” um, sei lá, John Frusciante.
* Há uma semana, o Molodoys, liderado pelo rouco Leo Fazio, botou na rua seu disco de estreia, colaborando a seu modo com o menu psicodélico do indie brasileiro.
* Agora no começo de setembro, via o importante selo Balaclava Records, sai o disco de estreia do Nuven, projeto eletrônico de Gustavo Teixeira, algo deliciosamente ambient retrô-moderno que está em algum lugar entre Four Tet e Unknown Mortal Orchestra (Caribou também cabe aqui).
* Na semana que vem deve ser comercializado o vinil de “Giant Flea”, o absurdo segundo álbum do Aldo The Band, que algum louco já chegou a dizer que é “o mais próximo que uma banda brasileira conseguiu chegar, em sonoridade e na pegada, perto dos ótimos !!! e LCD Soundsystem. Lançado originalmente pela Skol Music no ano passado, se a reedição em vinil do álbum levar o quarteto paulistano a fazer mais shows, já pode ser batizado de “relançamento do ano”.
* Recife deu ao mundo, bem recentemente, outros dois bons discos: o impressionante “How to destroy a Phalanx Formation”, da dupla Phalanx Formation, e o marcante “Miocardio”, estreia solo do cantor Barro, cheio de sotaque e MPB-pop (pop na concepção pernambucana da coisa).
* No quesito escracho, saiu nesta sexta o primeiro single do EP de remixes da indefectível Banda Uó, o “Arregaçada Remixes”. Ninguém paga as contas deles (tirando a gravadora Deck), claro…
* O duo paulistano Cupin encorpa o selo Freak com o lançamento de seu disco de estreia, que sai agora em setembro. O disco da dupla Pedro Luce e Paulo Suriani vem carregado de participações especiais da “turma Mel Azul”, é rock feito com teclados e, se depender do que se viu com o single “Eu Quero É Te Ver Dançando”, nome também de uma festa mensal dessa galera com bandas indies de todo o Brasil, realizada no Z Carniceria, é de esperar ansiosamente.

É agora que volto à história do “Aquilo Deu Nisso”. Esse caminhão de lançamentos importantes para a cena indie brasileira está intimamente linkado aos fatores que vêm sendo forjados, garibados, esmerados de uns anos para cá. Quais sejam:

* A infra melhorou. Enquanto durar, marcas estão intimamente ligadas com a cena independente de um modo mais. Skol criou selo. Red Bull e Converse, estúdios de ponta. Natura, bancando discos e shows. Heineken patrocinando e/ou promovendo festivais e festas. Calvin Klein também. Spotify também. Samsung também. Isso quando não fazem os eventos próprios.

* Os festivais nacionais parecem megafestivais, nem tanto no tamanho, mas no espírito e estrutura. SP tem o Fora da Casinha, a parte nacional que toca ao Popload, os showcases do Balaclava, os shows da Semana Internacional de Música etc. etc. O enorme Coquetel Molotov em Recife vira interestadual neste ano. O Bananada é o Lollapalooza indie. O DoSol em Natal e o Se Rasgum em Belém são nossos Coachellas. E tem bem mais.

* Tem uma certa profissionalização bem aceitável de atuantes da cena em várias vertentes, da produção de discos, shows e festivais, na articulação da cena nacional, no network com cenas e festivais estrangeiros. As próprias bandas fazem esse papel variado de produtores de si mesmas, divulgadores de si mesmas. Uma espécie de Do It Yourself deste século. Mas fazendo tudo decentemente. O Bananada e o DoSol conectados a um dos maiores festivais do mundo, o espanhol Primavera Sound, e a banda Boogarins que quase nem volta para casa de tanta turnê internacional que faz, com discos lançados nos EUA e Europa, são exemplos disso. O Balaclava nasceu como selo para lançar a banda dos donos e hoje é selo de 40 artistas/grupos, inclusive internacionais, traz shows gringos ao Brasil, faz festas, promove showcases. O selo Freak, vinculado à galera festeira da banda Mel Azul, vem chegando junto também, inclusive com estúdio.

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* E os lugares para tocar? Tem os ótimos, os toscos, mas cada vez tem mais servindo à cena. Em setembro/outubro inaugura o Breve, casa de shows para 180 pessoas no bairro da Pompeia. O Z Carniceria, em Pinheiros, e seu palco incrível, para tipo 400 pessoas ficarem diante, virou avenida de show indie. Tem a fantástica Casa do Mancha, para o quê?, 50 pessoas vendo da sala ou da janela do quintal o show no quarto. Tem show em estacionamento de museu, tem balada como a Trakers em que tem show ao vivo em três de suas salas, em prédio abandonado (não mais). Tem show no teto do Mirante 9 de julho, no lindo cenário mais urbano do Brasil. Tem os shows surpresas do SofarSounds. Tem show em loja, show em hostel, show em lavanderia, show em sala de karaokê!!!!!! Vai ter show em café, proporcionado pela galera dos shows do MECA, que agora produz até jornal periódico destacando a cena. Em São Paulo tem show até em cima de banca de jornal, como na charmosíssima Banca da Tatuí (foto acima), no “Baixo Higienópolis”, que além de fazer apresentações em seu teto, fecha a rua para várias intervenções culturais, artísticas, festas. A Tatuí, veja só, vende até revista e livro. Mas só se forem cool. E, aos sábados, a uns 30 passos da Banca Tatuí, você pode trombar com uma banda tocando na calçada, em frente à Conceição Discos que vende, discos, e tem o melhor pudim de leite da cidade, talvez.

* Falta uma rádio, para veicular os produtos dessa cena independente nacional. Mas parece que esta não vai demorar a aparecer.

Bom, esse é um breve recorte do status quo do indie nacional em 2016. A missão é fazê-lo perdurar e aumentar. E manter-se conectado. Isso é a CENA.

A Popload, a partir de agora e como parte deste especial, vai falar principalmente dos discos novos da CENA e de iniciativas que farão esse trem andar.

Vamos juntos!

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Postado por Lucio Ribeiro   dia 26/08/2016
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