Há 20 anos, na Austrália (!!), saía o “Is This It”, o disco de estreia da banda nova-iorquina The Strokes, de altas conexões brasileiras. O quanto você se lembra da história toda?

Há 20 anos, na Austrália (!!), saía o “Is This It”, o disco de estreia da banda nova-iorquina The Strokes, de altas conexões brasileiras. O quanto você se lembra da história toda? Foto: divulgação

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* Há exatos 20 anos, no dia 30 de julho de 2001, era lançado às pressas e na Austrália o primeiro disco de um certo grupo de Nova York chamado The Strokes. O álbum, que viria logo depois na esteira de um comentadíssimo EP de estreia que pegou a cena roqueria desprevinida, foi o abençoado “Is This It”. E nossa vida e a vida do pop da época e a vida do rock independente por bons anos, em algumas escalas variáveis, não seria mais a mesma. Foi a tal da revoluçõa do “novo rock”, que devolveu uma certa sujeirinha às guitarras e um novo ânimo descomunal às cenas americana, inglesa, europeia como um todo, no mundo inteiro. O termo “cool” foi o mais associado aos Strokes, a seu disco dèbut e ao que viria depois. O tal “The History of Cool”.

É papo para longas conversas, que na real a gente já tem desde perto de a Popload ter sido criada, em 2000, e crescer absurdamente logo após para o que ela se tornou hoje, graças muito aos Strokes e ao “Is This It”.

O fato de o álbum ter sido lançado em 30/7/2001 na Austrália é porque o mundo pré-Strokes era diferente, em muitos sentidos. A internet era outra. O iPod (eu falei iPod!) estava ainda por chegar às nossas vidas. A distribuição de arquivos em mp3 pela rede estava engatinhando. Então o disco teve lançamento em dias diferentes, olha que loucura. Mesmo para quem viveu aqueles anos, é até difícil organizar a mente para explicar para as “pessoas de hoje”.

O “Is This It” sairia em 22 de agosto no Japão, 27 do mesmo mês na Inglaterra, em ambos os casos linkados estrategicamente a apresentações em festivais grandes desses períodos nesses lugares. Nos EUA, saiu dia 9 de outubro, empurrado para a frente (seria meados de setembro) por causa dos ataques terroristas do 11 de Setembro, na própria cidade deles, o que acarretou até em mudança de capa e troca de uma das faixas. Treta. No Brasil, seguiu a data americana.

Mas, vale dizer, esse lançamento de 30 de julho australiano bagunçou toda essa estratégia esperta, porque a indústria musical ainda não enxergava a internet, pensa. E o disco, termo novinho naquele 2001 bagunçado, “viralizou”. Do tamanho que dava para “viralizar”.

Perceba que a importância do “Is This It” para o rock não foi “SÓ” sua coleção de músicas espetaculares, seu sangue novo e sua capacidade de transformação. O disco ajudou a afundar de vez o pensamento caquético de gravadoras gananciosas. Olha outra conversa enorme que esse disco provoca, mas que desta vez vamos passar à margem.

Aqui na Popload estamos fazendo, no Popcast, o nosso podcast, um especial sobre o marcante “Is This It”. E nestas páginas vamos trazer também novidades desta efeméride tão importante, a partir de hoje.

Como este belo panorama de época e importância histórica em forma de texto, que vamos publicar em duas partes, a partir de hoje. A escrita é do jornalista e músico Daniel Setti, brasileiro radicado em Barcelona. O texto sobre o “Is This It” faz parte de um projeto editorial dele maior, que envolve outros grandes discos da história do rock, a caminho de virar um livro.

Mas que foi adiantado aqui na Popload por conta deste aniversário de 20 anos do álbum, certamente um dos favoritos da vida de Setti, da Popload e de muita gente que lê a Popload.

A parte dois vem em breve. Bom avisar, porque lendo a primeira você vai querer o desfecho desse caos lindo que o “Is This It” nos causou.
Não importa que os Strokes já não importem mais tanto. Precisamos sempre agradecer a esses garotos brancos nova-iorquinos bem nascidos por terem gravado “Is This It”. O disco de estreia da banda, cujo lançamento completa 20 anos neste dia 30 de julho, projetou o rock de volta aos holofotes do mundo pop. E o fez com energia de um furacão, puxando um cordão de bandas de grande qualidade e diversidade, que deram o tom da música na década de 2000. De Noel Gallagher a Dr. Dre, passando por Lou Reed e James Murphy, não foram poucos os famosos que se tornaram fãs, rendidos a sua energia quase que fisicamente palpável e sua complexa simplicidade.

Cada década com o seu “Nevermind”

De certa forma, “Is This It” é o “Nevermind” dos anos 2000. E, mais do que uma coincidência, o fato de os dois álbuns terem sido lançados nos primeiros anos de suas respectivas décadas é sintomático. Por um lado, a ruptura proporcionada pelo Nirvana em 1991 era mais necessária, porque no final dos anos 1980 a situação do rock no mainstream realmente se encontrava em um ponto crítico – hard rock farofa e poperô dominavam as paradas; por outro, no crepúsculo dos 1990, com boybands, nu-metaleiros e Britneys dando as cartas, um R&B cada vez mais tedioso e a eletrônica como uma das únicas válvulas de escape de renovação, o rock também precisava de uma injeção de adrenalina para não fazer feio no boom do milênio.

O paralelo deve ser traçado, diga-se, guardando as devidas proporções e considerando os contextos dos surgimentos dos dois discos. Em 1991 a indústria fonográfica estava próxima do seu auge financeiro, e até azarões como Kurt Cobain poderiam se tornar uma febre de vendas, alcançando o primeiro milhão de unidades vendidas nos Estados Unidos dois meses após lançarem seus discos. Já em 2001, no meio da revolução engatilhada pelo Napster nem dois anos antes, o salve-se-quem-puder da nova ordem outorgava a poucos a sorte de se tornar um “fenômeno da internet”.

Strokes foi um dos primeiros deles. A trupe beneficiou-se do vazamento das faixas de seu trabalho de estreia, gerando um burburinho promocional descomunal à época ao longo dos meses anteriores ao seu lançamento. Mas, por causa exatamente das mudanças radicais trazidas pelo formato mp3, demoraria uma década até superar 1 milhão de cópias vendidas, em fevereiro de 2011. Eles não tiraram o Michael Jackson do topo das paradas, como fez o Nirvana, tampouco seu disco figura entre os 30 mais vendidos da história, como é “Nevermind”. Os tempos já eram outros.

Reviravolta cínica

Mas o que aproxima mesmo esses dois lançamentos, numa perspectiva histórica, são os terremotos estético-musical que causaram. Toda uma década de rock foi pautada em função do sucesso do trio de Seattle, e toda uma outra geração se mediu de acordo com a influência do quinteto de Nova York.

Exaustas de cobrirem Limp Bizkit e já se resignando com uma novidade insossa como o Coldplay, as imprensas musicais norte-americana e britânica soltaram rojões quando o EP demo “The Modern Age”, de 29 de janeiro de 2001, começou a circular pelas redações, trazendo as primeiras versões da adorável faixa-título, além de “Last Nite” e “Barely Legal”. As gravações haviam sido feitas ao vivo em estúdio por Gordon Raphael, um produtor semidesconhecido e louco por equipamentos analógicos, em troca de grana para uma passagem para sua cidade, Seattle.

Os Messias haviam chegado. A revista inglesa “New Music Express ofereceu a versão em download como exclusividade, uma inovação daquele momento, e em pouco tempo os sites de compartilhamento levaram os arquivos a milhões de computadores espalhados pelo planeta. Para delírio dos jornalistas, os integrantes ainda por cima eram todos recém-saídos da puberdade, gatos, com a pele bem cuidada, penteados de destaque e atendendo por nomes pomposos como Fabrizio e Nikolai, e sobrenomes latinos aristocráticos da laia de um Valenzi ou um Casablancas. Um deles conseguia ser “exótico” a ponto de ser brasileiro. E fundamental: vinham de onde vinham.

Nova York no centro outra vez

Meca das mecas da música, Nova York ditara os rumos da modernidade sonora em praticamente todo o século 20 – de Charlie Parker a Grandmaster Flash, de Velvet Underground a Chic – mas, fora exceções como Beastie Boys ou Jon Spencer Blues Explosion, havia dado uma bela duma adormecida na década de 1990.

Não por acaso, foi o período em que o prefeito Rudolph Giuliani – ele mesmo, o que depois se tornaria capacho de Donald Trump – instaurou sua política de “tolerância zero”. Suas medidas aplacaram a violência da metrópole, mas, zero tolerantes também com festas e salas de show, arrastaram junto parte considerável da lendária cultura boêmia e musical local. Nesse cenário, em que eventos dançantes como Tiswas e Motherfucker eram também foco de resistência, se formatou a cena que teria os Strokes como maior expoente.

Era o início de uma grande reviravolta sonora e comportamental, embora mais cínica do que a promovida pela turma de Seattle. Suscitou rivalidades superficiais, mais fabricadas do que reais, como Strokes × White Stripes (o equivalente não-nova-iorquino), Strokes x Libertines (a inevitável “resposta inglesa”), Manhattan × Brooklyn, “Spin” × “Rolling Stone”. Até o casal-símbolo, Fab Moretti e Drew Barrymore, era mil vezes mais domesticado, afável e menos perigoso do que um Kurt-Courtney.

Mas não foram poucos os nomes que dali brotaram para a música. Interpol, Walkmen, Yeah Yeah Yeahs e até os menos puramente roqueiros LCD Soundsystem e TV on the Radio vieram no rastro dos Strokes, só para citar algumas das bandas surgidas na cidade na primeira metade dos anos 2000, a surfar na onda do novo rock. Depois ainda despontariam Vampire Weekend, Grizzly Bear, MGMT e outras. Nova York era novamente o centro do mundo pop, com o epicentro inicialmente fincado em Manhattan e depois migrando ao Brooklyn.

Como efeito colateral a ambos, da mesma forma que o grunge gerou o Silverchair e o Creed, o “novo rock” nova-iorquino do século 21 tem sua parcela de culpa indireta. Pela inspiração que infringiu a toda uma classe de bundões sem imaginação, que fizeram com que, no final daquela década, já não suportássemos mais o revival do pós-punk. O que era vanguarda virou um modelo cansativo: todas as batidas deveriam ter a “urgência” disco-rock, os vocais eram obrigatoriamente chorosos, os teclados grandiloquentes, e as letras que não fossem meio engraçadinhas, irônicas, eram gongadas.

** Daniel Setti é um jornalista, músico, DJ e curador musical paulistano radicado em Barcelona desde 2006. Em São Paulo, foi baterista das bandas Jumbo Elektro e TchucbandioniS, tocou com Elza Soares e o saudoso rapper americano Guru e ajudou a criar o selo Reco-Head. Em Barcelona, presenciou 14 edições do Primavera Sound, cobrindo metade delas como jornalista. Atualmente atualmente toca na banda Elora.

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Postado por Lúcio Ribeiro   dia 30/07/2021
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