Popload Entrevista: BJÖRK

Popload Entrevista: BJÖRK Foto: divulgação

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* Uma das artistas mais autênticas e excêntricas do pop nas últimas décadas, a islandesa Björk voltou a ser notícia em 2015 graças ao seu nono disco de estúdio, “Vulnicura”, que esses dias ganhou até versão remixada. O poploader João Vitor Medeiros bateu um papo com a cantora enquanto ela estava de férias em Porto Rico, em entrevista que foi publicada pela Folha de São Paulo em abril, e que agora pode ser conferida sem cortes na Popload.

Nela, a cantora fala do disco novo, apocalipse e do novo pop.

Björk dispensa apresentações. A islandesa apareceu pro mundo ainda nos anos 80, à frente do grupo Sugarcubes, mas foi em carreira solo que se transformou em uma entidade. Sua música, muitas vezes complexa e de vanguarda, chamou a atenção do grande público pela originalidade e beleza, duas características presentes até hoje em seu trabalho.

Em 2015, Björk tem um ano cheio. Além de lançar mais um novo disco, o dolorido Vulnicura, a artista teve a obra homenageada em exposição no conceituado MoMA de Nova York. Ali figurinos, esculturas e, obviamente, a música da cantora foram celebrados em quatro instalações artísticas no museu.

O MoMA preparou uma exposição sobre o seu trabalho e você também vai lançar um livro sobre a sua carreira. Pra mim, seu trabalho sempre foi sobre olhar pra frente, pro futuro. Essas iniciativas são um jeito de também celebrar o passado?

Pediram pra que eu fizesse a exposição antes e na primeira vez eu disse “não”. Tinha razões pra isso, é claro. Eu recebi mais pedidos ao longo dos anos e no fim eu decidi fazê-la. Eu acho que foi o meu amigo Antony Hegarty (Antony and the Johnsons), um cantor inglês, ele me disse que eu deveria fazer isso pelo som e eu deveria fazer isso pelas mulheres. Então foi por essas razões. Eles também me perguntaram se eu podia fazer uma nova instalação e eu tinha uma nova música com vídeo que eu poderia aproveitar.

E por que você disse “não” no passado? 

Por duas razões: eu não queria olhar muito para trás e também porque é complicado mostrar música em um museu visual. É complicado retratar minha música nesse ambiente, mas eu acho que nós tentamos oferecer uma série de soluções para isso. A exposição acontece em quatro locais diferentes e de alguma maneira são quatro formas diferentes de tentar se tornar “sônico” ou ter áudio em um museu. Basicamente esse tem sido o trabalho nos últimos dois anos, desde que estamos preparando isso. Trabalhamos com engenheiros em alto-falantes, em fones de ouvido, em como você poderia resolver. Mas então eu tinha que decidir dois anos atrás: “será que esse é um problema que eu estou disposta a resolver ou não?” e então eu decidi resolvê-lo. E também porque eu tenho um novo disco inteiro e ambas as coisas poderiam coexistir de alguma forma. Então eu acho que em um nível emocional isso meio que faz sentido.

Sobre o disco novo, o que você pode dizer sobre o título?

 “Vulnicura” é latim e significa “aquele que carrega um ferimento” ou “alguém que carrega um ferimento”.

E eu penso que cada um dos seus discos tem uma história. Qual a história desse disco?

A história desse disco é principalmente sobre o fim de um relacionamento e de alguma maneira é um álbum de coração partido e o processo de cura depois disso. As seis primeiras músicas do disco estão em ordem cronológica. Não foi planejado, mas elas são a documentação de uma relação desmoronando. Então a primeira música é como se fosse oito meses antes, a segunda é cinco meses antes, a terceira é sobre um mês antes, a quarta é um mês depois, cinco meses depois e então dez meses depois. E então existem outras canções no disco após essa que são sobre outras coisas, mas as seis primeiras são um pouco sobre essa saga do coração partido.

E isso também tem a ver com a quantidade de teorias apocalípticas que temos ouvido ultimamente?

De que maneira?

Numa conversa com o filósofo Timothy Morton eu percebi que você menciona mensagens sobre apocalipse  e que você também fala disso em algumas partes do disco, isso influenciou de alguma forma?

Sim, eu acho que pra mim é difícil entender porque a maioria dos filmes de Hollywood agora é sobre apocalipse. E eu acho isso muito chato. Para mim a consciência, a alma da civilização ocidental, é muito patriarcal, isso existe, e sinto que ela está paralisada com culpa sobre todo o dano feito ao meio ambiente, mas ao invés de começar a trabalhar nisso e fazer algo a respeito, a forma como tratam é muito narcisista e cheia de pena de si mesmo. O que eu acho que é muito estranho porque foi a própria civilização ocidental que causou todos esses danos ecológicos. Então eu acho que é muito importante começar AGORA a definir que tecnologia vai funcionar com a natureza no século XXI no qual nós possamos salvar o máximo, e que ainda dê e transformamos isso em uma coisa otimista e criativa, sabe? E eu acho isso um pouco complicado… eu vi um filme chamado “Interstellar”, que gostei muito, mas ele também é assim, especialmente a cena na biblioteca, realmente tem essa coisa na qual o subconsciente do filme está paralisado com culpa e eles simplesmente decidem pegar uma nave muito, muito boa e ir para a próxima galáxia! (risos) Então eles não vão limpar a bagunça que eles mesmo fizeram. Eles só dizem “Ok, vejo vocês mais tarde!” (risos). Então eu acho que é importante… é perigosa essa onda apocalíptica porque ela é muito narcisista com um dose de pena de si mesmo dentro, o que não faz nenhum sentido, mas eu acho que é jeito humano natural de reagir.

Você acha que é um jeito de abrir mão da própria responsabilidade?

Sim, eu acho que sim. Eu acho que você meio que torna isso uma coisa romântica que o mundo está morrendo e pobre de nós. É uma situação importante e nós não temos tempo pra ter pena de nós mesmo ou ter vaidade. É muito importante começar agora!

Nesse disco você trabalhou com o Arca e o Haxan Cloak. Teve mais gente envolvida?

Não. Na verdade na maioria do tempo eu trabalhei com o Arca, Haxan Cloak chegou mais no final como responsável pela mixagem. E foi muito mágico. Ele me contatou mais ou menos um mês e meio atrás.

Haxan Cloak ou Arca?

O Arca. E ele queria trabalhar comigo e era a hora perfeita pra mim. Ele veio até a Islândia e algo muito mágico aconteceu. E ele viria de novo e de novo e muitas vezes pra Islândia. E antes que a gente pudesse perceber, tínhamos o disco inteiro ali, foi muito rápido. Então tem sido muito mágico, uma das melhores colaborações que eu tive.

E você escutou o trabalho dele com o Kanye West? O que você achou?

Eu não escutei muito, não. Quando ele me contactou foi antes de eu ouvir a FKA Twigs, porque foi antes do disco dela sair. Então o que eu conhecia era na maioria música dele mesmo, que ele havia colocado online. E dessas eu gosto. Pra ser honesta, tinha tanta gente no disco do Kanye que era realmente difícil dizer quem fez o que, entende? Então não teve nada a ver com isso. Essa não foi a razão que eu quis trabalhar com ele, foi mais pela música dele.

E eu acho que você é uma artista bastante colaborativa que está sempre trabalhando com gente nova e interessante. Essa troca parece ser importante pra sua música, por quê?

Eu não sei. Eu acho que eu tenho muito extremos, eu acho que eu também sou muito solitária. Tipo, eu escrevo a maioria das minhas músicas sozinha e a minha relação com a minha voz também é muito solitária. Então geralmente eu já escrevi a maioria das músicas sozinha e editei eu mesma no meu computador… nesse disco eu mesma fiz todos os arranjos de cordas, isso eu fiz tudo sozinha e exigiu bastante tempo e foi muito divertido. Mas há também um estágio em cada álbum em que estou pronta para colaborar e é mais pro final que chamo todos os convidados pra minha festa e a minha casa que eu preparei por muito tempo! Mas esse disco eu acho que até foi diferente. Alejandro, esse é o nome do Arca, chegou bem cedo e esteve presente em muito do processo.

E quais são os seus pensamentos sobre a música pop mainstream atual, gente como Taylor Swift, Lady Gaga, Miley Cyrus?

Olha, eu não escuto muito, sabe? (risos) Eu sempre adorei gente tipoa  Beyoncé e a Rihanna e eu fico muito animada quando gente como Kelela e outras pessoas que eu realmente gosto se tornam mainstream. Mas eu não escuto muito ao rádio, pra ser honesta. Mas eu sigo sim o que tá acontecendo, só que na maioria das vezes eu to mais interessada nas coisas que acontecem às margens.

Essa na verdade a minha próxima pergunta: você é uma artista grande hoje, mas você está sempre olhando pra música underground e eu acho que posso dizer que o underground sempre está olhando de volta pra você. Como você vê essa relação?

Eu acho que é muito natural, acho que é a minha casa. Desde que eu era uma adolescente na Islândia, no nascimento do primeiro selo indie da Islândia… Tinha um selo grande na Islândia que estava sempre colocando música comercial no mercado e não havia nenhuma alternativa e nós pensamos “a gente precisa resolver isso” e sinto que tenho feito a mesma coisa desde então. (risos) De alguma maneira, não mudou muita coisa, sabe? Eu ainda tenho contato com esses amigos da Islândia com os quais eu comecei o selo, porque o selo ainda está na ativa e ainda assinamos bandas e coisas assim e e ainda é uma situação bastante semelhante hoje em dia, sabe, não mudou muita coisa. É sempre difícil pro underground sobreviver financeiramente, é muito raro que as pessoas queiram apoiá-los, mas por outro lado eu acho que é um ambiente muito mais seguro. Eu gosto muito do conforto disso, também, porque a maioria das pessoas no undergroung está fazendo isso pelo amor à música – eu não estou dizendo que as pessoas que são grandes não estão, porque um monte deles também está – mas eu acho muito romântico ir à uma loja de discos e conversar com as pessoas que trabalham lá. Nós podemos conversar por uma eternidade sobre as músicas que estão saindo e não importa realmente qual é a sua idade, porque pessoas de 95 anos ainda estarão muito animadas quando sair o que quer que seja…Então, no fim do dia é sobre amor à música, sabe? Eu acho que de uma maneira é muito confortável estar próximo às raízes.

Você acha que a internet mudou muito a relação com a música?

Sim, claro.

Você acha que foi uma mudança pra melhor ou pra pior?

Eu acho que os dois. Eu acho que como em toda mudança é os dois. Eu quero dizer, era bom e ruim antes e é também bom e ruim depois e sempre vai ser assim. É só um meio diferente. Eu acho que todo mundo ainda está tentando entender como ele funciona e há alguma injustiça e falta de equilíbiro nisso e onde as pessoas vão querer se safar das coisas, ir o mais forte que conseguirem e ninguém vai pará-los e daí algum sistema vai ser implantado e com alguma sorte não vai ser inviável, então eu acho que é o mesmo tipo de história de novo e de novo. Você tem um período novo no começo em que tudo é excitante porque não há regras (risos) e alguns anos depois você tem que definir isso. E eu acho que esse é o caso com a internet.

E qual você acha que é o papel da arte nesse mundo pós-internet?

Eu acho que é o mesmo, sabe? Eu acho que não é possível sobreviver sem arte. Eu acho que é muito importante, mas eu acho que também era muito importante antes. O que acontece, eu acho que é da natureza humana, em todo sistema, foi o mesmo quando você tinha o mundo da arte, a indústria fonogáfica ou qualquer negócio, é sobre poder e hierarquia. E o que é meio mágica sobre a internet é que ela destroi a hierarquia, mas agora essa hierarquia está meio que sendo reestabelecida, então é interessante observar que papel cada pessoa vai desempenhar. Mas no fim do dia, arte, música – vou falar sobre música já que sou musicista – sempre vai ser um dos elementos vitais para os humanos. Não há como viver sem isso. E não é sobre hierarquia, sabe?

Um das suas novas canções, NotGet pra ser específico, fala sobre a morte. Você teme a morte?

Eu não temo muito. Eu acho que talvez seja uma coisa de mulher, eu acho que as mulheres não têm tanto medo da morte quanto os homens. Claro que eu estou generalizando aqui porque existem um monte de pessoas diferentes. Mas eu acho que mulheres, porque elas dão a luz e são mais emocionais, precisam mais se conectar com o resto do universo, é diferente. Eu acho que para os homens é mais complicado, sabe? Porque eles tem um relação muito diferente com nascimento e morte, é mais como uma ideia pra eles, não é tão físico, é mais como um conceito e a partir daí se torna mais assustador. Mas acho que nessa canção em especial eu estou falando sobre o medo da morte de um homem e talvez uma mulher entenda isso ao final de um relacionamento. Isso é pra ela, porque eu acho que pra um monte de mulheres as emoções são tudo. Eu acho que é mais sobre o fim de algo emocional e é mais dramático pra uma mulher do que algo físico que os homens temem. Então eu acho que é disso que eu estou falando naquela canção.

E você disse no passado que você não se considera uma feminista. Isso ainda é verdade?

Eu acho que eu gostaria de fazer parte do feminismo do século XXI, eu ficaria muito feliz de ser incluída nesse movimento. Eu não me vejo como uma feminista do século XX, mas eu acho que elas lidavam com uma porção de problemas que foram resolvidos, sabe? Os quais eu acho que pessoas como eu nos beneficiamos muito. Pessoas como a minha mãe lutaram muitas batalhas que eu não tive que lutar, sabe? E eu aprecio isso, mas eu acho que é muito importante que, se você realmente respeita o trabalho feito no século XX, você deve continuá-lo e levá-lo a algum outro lugar e não repetir o século XX. Eu acho que isso é importante.

E a última vez que você esteve no Brasil foi em 2007. Você tem algum plano de voltar aqui no futuro próximo? 

Eu não sei ao certo, mas essa exposição vai a algum lugar na América do Sul*.

*Questionado sobre a possibilidade da exposição sobre a carreira de Björk vir ao Brasil, o staff da cantora respondeu que há negociações para que isso aconteça no segundo semestre de 2016.

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Postado por Lucio Ribeiro   dia 24/06/2015
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