SEMILOAD – O indie-mental health se espalha como um movimento musical, com a mensagem: “Ninguém tá bem. E tudo bem”

SEMILOAD – O indie-mental health se espalha como um movimento musical, com a mensagem: “Ninguém tá bem. E tudo bem” Foto: divulgação

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* O indie-mental health está aí, escancarado na música, para quem quiser ver e ouvir. E sentir. Do lado dos artistas, do lado dos fãs. E isso não significa uma má-notícia, exatamente.
Dora Guerra, nossa madame “Semibreve”, a sua espetacular newsletter semanal (não assinou ainda?) e parceira da Popload, esmiúça essas dores da alma espalhadas pelo som que gostamos. Um pouco de onde esse indie-mental health vem e talvez para onde esteja indo, mas principalmente como ele saiu do esconderijo do quarto escuro e pode estar oferecendo conforto e luz a ouvidos sensíveis que andam precisando.

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Quando o emo (termo que vem de “emotional”) nos trouxe uma geração de músicos tristes e levemente góticos, não parecia ser tão diferente nesse sentido dos ingleses tristes da New Wave ou da raiva dos punks. Esses (cada um em seu contexto) foram movimentos pautados por sentimentos fortíssimos, negativos, profundos. Mas hoje, uns dez anos desde aquele respiro do movimento emo, quem era adolescente na época do Paramore já tem coisas a dizer sobre sua própria tristeza – essas, sim, são diferentes.

Na verdade, a própria Hayley Williams (foto acima), que inclusive lançou de surpresa um disco novo nesta sexta-feira, pauta bem essa mudança no cenário emo/indie/alternativo: da guitarra aos synths, ela buscou várias formas de expressar seus sentimentos negativos enquanto compositora na banda. Mas, quando assumiu um projeto solo, entendeu onde estava a virada: Hayley podia assinar seu nome ao lado de desabafos pessoais, ser mais consciente dos seus defeitos e – principalmente – assumir uma depressão que ela há muito disfarçava de outros tipos de tristeza.

Não foi só Hayley, mas também quem cresceu a ouvindo. Os músicos de 20-e-poucos, que hoje começam a conquistar as suas respectivas “cenas”, são os adolescentes emo de 2009 que tiveram Tumblr e achavam que lápis de olho exprimia determinadas angústias. No meio dessa trajetória, encontraram nas redes sociais um espaço confessional; entenderam que desabafo é importante, algumas tristezas são sérias e terapia não é sinal de fragilidade. Na verdade, viram que assumir doenças mentais e insuportáveis dores da alma é um ato de coragem, não de fraqueza – hoje, você até reposta um ou outro meme sobre isso. Combine todos esses fatores, acrescente um pouco de introspecção de tempos majoritariamente digitais e voilá – surge o indie-mental health.

Indie esse que, hoje, encapsula gerações mistas: contempla Fiona Apple, compositora que começou antes de grandes discussões cibernéticas sobre depressão; mas que, finalmente, se reconhece na vulnerabilidade sem se excluir do resto da cena. Contempla Hayley, cujo trabalho solo agora não tem medo de assumir a luta com a psique como parte da sua expressão. Contempla Phoebe Bridgers, Bully, Clarice Falcão, Letrux e quem mais você pensar. Muitos deles não fazem “música triste” por definição – mas são músicos que abrem um diálogo e cantam, para milhares de pessoas, que não estão tão bem assim. A antítese do roqueiro fodão.

Claro, não é um caso exclusivo do indie – se Kanye e Halsey conseguem basear álbuns inteiros em uma bipolaridade assumida, isso mostra que existe um movimento grande acontecendo aqui. Artistas estendendo a mão e dizendo não só que não são perfeitos como que seus fãs também podem procurá-los quando o buraco é mais embaixo. Dizendo “Eu sei exatamente o que é isso que você sente”. Lembrando que existe terapia, existe remédio, existe saída. Advogando a favor deles e de você.

É que tem algo particular desta nossa época, para além de um estilo musical específico. São coisas que um Radiohead da vida já antecipava, mas não falava tão claramente – essas novas músicas no clima “How to Disappear Completely” agora são acompanhadas de entrevistas, doações, alusões explícitas a causas específicas do tal mental health. É uma geração de músicos que não quer ver outro Chris Cornell, cujas letras sinalizavam um sofrimento sério, mas não houve tempo para cura – e é Toni Cornell, a filha de Chris, que hoje canta e também cria um podcast sobre estigmas da saúde mental. E quando Billie Eilish faz vídeos de puro torpor, ela não o faz totalmente sem responsabilidade: complementa sempre com entrevistas sinceras sobre depressão e como as coisas andam melhorando. De repente, estamos dando nome aos bois.

Mas é no indie que o mental health aparece com força, trilhando caminhos para o resto. Porque falar de saúde mental não combina com uma música estritamente comercial ou pop, não é o caso mesmo do último single da Cardi B, mas bate perfeitamente com o clima alternativo-artístico-conceitual. Flerta com a exposição das redes sociais, mas rejeita a pose “perfeita” que o Instagram pede. E vai do próprio sentimento ao sentimento do outro: do “My worst habit is my own sadness”, da girl in red, ao “I would do anything to get you out your room”, da Arlo Parks. Indie que compreende a dor e a seriedade das coisas enquanto tenta dar algum sentido a isso tudo.

Uma mudança como essa acompanha riscos: de glamorizar a dor, de tornar a doença um assunto de TikTok sem seriedade. Quando transformada em arte, a saúde mental (ou a falta dela) se torna um assunto fácil de romantizar, como se o sofrimento desses artistas fosse indissociável do seu sucesso – e, portanto, fãs podem acabar admirando ambos. Mas, de modo geral, estamos finalmente dizendo e ouvindo o que, há pouco, era o indizível. E o indie-mental health te abraça e lembra: ninguém tá bem. E tudo bem.

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