Top 50 da CENA – Josyara alugou o ranking. A grande volta de Valciãn Calixto ao pódio. Maglore carrega veteranos ao top

Piauí, Pernambuco, Minas, Bahia, São Paulo… Olha, a gente deu uma boa volta pelo país atrás de boas músicas nesta semana, pode apostar. Sempre falta algo, lógico, mas fica o esforço. Um período de menos singles e mais álbuns que vão te oferecer boas horas de companhia, viu? Josyara está de disco novo, Valciãn, Maglore, Zé Miguel Wisnik, Tom Zé… E a gente até abriu uma licença poética para incluir uma música de 2000 que a gente acha bonita. Aceita? 

Uma semaninha se passou e estamos ainda mais apaixonados pelo segundo álbum da baiana Josyara. A gente já destacou várias músicas do álbum por aqui e a da vez é o segundo som  “ÀdeusdarÁ”, que revela uma das duas novidades na obra de Josyara: seu interesse por beats, estudo que ela aprofundou na pandemia, e por sopro, influência que ela atribui ao mestre Letieres Leite. Aqui quem dá a letra é o sopro, que embala sonoramente uma dolorida história sobre as mães que perdem seus filhos por conta do Brasil violentíssimo, em especial os jovens negros massacrados pelo racismo, presentes na violência policial e no descaso burguês. “Dentro da canção ponho a voz para chorar”, diz um dos versos. 

Não é segredo o quanto a gente admira os trabalhos do piauiense Valciãn Calixto. Cada novidade que chega do homem, a gente para tudo para escutar. “‘Seus Olhos Viam Deusas”, o novo álbum, surge com uma forte promessa, que Valciãn detalha nesta fala: “Todas as músicas deste disco são, em alguma medida, canções de amor. Revelam desentendimentos, a reconstrução do significado desse sentimento, o autoamor, a capacidade de dar e receber amor, memórias de relacionamentos do passado, novos amores e, nesse horizonte, a possibilidade de adoção como uma nova fase para a continuidade e construção de família que o amor proporciona”. Um dos momentos mais bonitos do álbum é esta “Adoção”, que como o nome entrega fala sobre sonhar com o filho que irá adotar. Uma história de amor de pai ou de mãe/um comentário sobre a aflição de crescer e ainda não ter sido adotado, já que as estatísticas revelam preferências dos pais por adotarem crianças pequenas.

Semana passada a gente estava falando do João Donato por aqui. E não é que a turma da Maglore em “V”, seu novo álbum, fez uma música em homenagem a ele e a Gilberto Gil? Para tal, a banda escapa do seu formato mais conhecido e vai ao violão falar um pouquinho mais baixinho. Uma faixa de agradecimento (“Ver o mar interceder/ Em minha paz, agradecer/ Na eternidade, me perder/ Deu saudade de você não por acaso), não por acaso é a saideira do variado disco da banda. Precisamos voltar a ele para comentar outros momentos “menos suaves”, por exemplo. 

Você que é visitante de São Paulo ou é um paulista em plena Avenida Paulista se atenta a qual pedaço de lá? Aqui, Miguel Wisnik canta: “Antes da torre global/ Do Itaú Cultural/ Do metrô e da metrópole/ Da Parada Gay/ E do Réveillon/ Era ele, o velho, belo e bom/ Jequitibá do Trianon”. Daqui, pelo menos, deu uma vergonha de que qualquer lembrança do jequitibá seja mais vaga que a lembrança dos outros lugares e eventos citados. A razão é difícil de decifrar. Outra beleza desta música é pensar no vão do Masp, citado no verso que abre a canção (“Não havia Masp nem seu vão”). Pensar que aquele enorme espaço vazio já estava e não estava ali até o museu ser erguido dá um nó gostoso na mente. 

A gente elogiou por aqui quando a banda mineira lançou seu álbum “Ascensão”. Agora em versão deluxe, o disco ganha três pauladas extras – “Corre”, “Isolamento Social” e “Full Bag”. Anota aí – eles vão ser a banda sensação do Rock In Rio no tradicional dia do metal. A gente avisou, fica sabendo antes e se prepara se for colar no palco Sunset. Se você for, chega cedo.  

O violinista pernambucano Antônio Nóbrega é um dos bastiões da cultura brasileira. Faz música, dança, teatro. Tivemos a chance de ver um show dele nestes dias no interior de São Paulo e ficamos de cara com sua energia no palco, uma construção narrativa forte, sutil e política – antifascista. Quem não percebeu durante o espetáculo entendeu quando o coro de “Lula lá” foi puxado. Para celebrar esse criador de mundos, a gente abre uma exceção das novidades e puxa essa bela homenagem de Antônio ao outro construtor de um novo mundo, o artista Bispo do Rosário. Essa é uma música de 2000, mas a gente repete a desculpa que Antônio deu no show: “Como não tocou no rádio, parece sempre nova”.  

Por falar em shows que vimos recentemente, uma outra maravilha é ver Tom Zé em ação. Aos 85 anos de idade, com disco novo na praça, o excelente “Língua Brasileira”, o baiano de Itararé entregou uma apresentação com três mùsicas clássicas do álbum que encantou David Byrne, “Estudando o Samba” (1976), e dedicou todo o resto do show a apresentar as novidades, com suas devidas explicações. Por isso, a gente premia “Pompeia – Piche No Muro Nu”, que resgata uma inscrição encontrada na cidade tomada pelo vulcão que condena quem condena o amor. Tom Zé até pede licença para ser cruel com quem comete tamanha ousadia e sentencia: “Pega, entrega ao carcará e diz: cega, amassá e some!”. Uma citação a “Carcará” de João do Vale sem risco de ferir os direitos autorais ao cantar quase a mesma coisa, mas com outras palavras. 

O anúncio do novo disco veio em um breve post no Instagram do próprio João Donato e com uma pergunta curiosa. “Uma vez escutei que a música ativa a serotonina nas pessoas. Serotonina é neurotransmissor, considerada a substância do prazer. Serotonina em forma de disco. Como seria?” A resposta é dada com eficiência ao longo de deliciosos 40 minutos de companhia que João oferece aqui. Da parceria com o produtor Ronaldo Evangelista, que rendeu “Donato Elétrico” em 2016, temos aqui o primeiro solo de Donato com letras – o primeiro em 20 anos! E os parceiros nas canções vão do próprio Ronaldo até  Anastácia, Céu, Rodrigo Amarante e Maurício Pereira. Música enquanto antidepressivo.

A energia comum entre uma roda punk e um baile de Carnaval tão bem sintetizado pelo Francisco, El Hombre em diversas músicas, ganhou mais um exemplar com a forte marchinha anárquica. “É uma das maiores utopias que a gente defende, a da não-autoridade, da não-hierarquização da sociedade. Ninguém é mais importante que ninguém”, escreve o baterista Sebastianismos – lembrando que atualmente a Francisco é formada também por LAZÚLI, Mateo Piracés-Ugarte, Helena Papini e Andrei Kozyreff. Honrando o pique que a música deve ter ao vivo, já que ela estreou em uma longa turnê do grupo pela Europa, quem puxa essa é a própria galera até na versão de estúdio.

O que é ser brasileiro? São tempos difíceis para essa questão. Tem sempre quem vai negar seu país e tem hoje quem ame esse lugar, mas anda envergonhado com tanto horror que permitimos. Talvez uma das respostas para essa treta esteja no canto do ítalobrasileiro Rohmanelli, que agora assina apenas ROHMA, em seu trabalho artístico. Em “@rroboboy”, faixa título do seu novo álbum, ele canta: “Eu também sou brasileiro”. E completa: “Sou daqui, sim, sou de qualquer lugar/ Eu moro em mim, só aqui você pode me encontrar/ Não existe pátria/ Minha pátria sou eu/ Eu sou tudo que tenho (…)/ Sou todo lugar em que vivi”. Nessa forma de encarar a realidade, ROHMA segue sabendo como poucos reunir gêneros que parecem distantes. Repara na virada que abre esta música: poderia ser um feat. do Barões da Pisadinha em um disco do Trent Reznor.

11 – Joyce Moreno – “Tantas Vidas” (com Mônica Salmaso) (5)
12 – Filarmônica de Pasárgada – “Saudosa Ma Loka” (6)
13 – NoPorn – “Nome Sujo” (7)
14 – Luli Braga – “Depois das Onze” (8)
15 – Djavan – “Sevilhando” (9)
16 – Rico Dalasam – “Guia de um Amor Cego” (com Céu) (11)
17 – Vanguart – “O Que Eu Vou Levar Quando Eu For” (12)
18 – Nobat – “Beira do Mar” (com Luli) (13)
19 – Kamau – “Aparte” (Avulso #06) (14)
20 – Rodrigo Ogi – “Feito Mágica” (15)
21 – Marissol Mwaba (Estreia) – “Parece Azul” (16)
22– Maglore – “Vira-Lata” (17)
23 – Giovanna Moraes – “No é No” (18)
24 – St. Aldo – “Curly Mind” (19)
25 – Geraldo Azevedo e Chico César – “Dia Branco” (20)
26 – Tatá Aeroplano – “Na Beleza da Vida” (21)
27 – Salma e Mac – “Sobremesa” (23)
28 – ÀVUÀ – “Famoso Amor” (25)
29 – Ombu – “Reclama” (26)
30 – Maurício Pereira – “Um Dia Útil” (27)
31 – Glue Trip – “Marcos Valle” (28)
32 – Rodrigo Campos, Juçara Marçal e Gui Amabis – “Sé” (29)
33 – Bruno Berle – “Até Meu Violão” (30)
34 – Juçara Marçal – “Odumbiodé” (33)
35 – Mulamba – “Barriga de Peixe” (com Kaê Guajajara) (35)
36 – MC Tha – “São Jorge” (com Comunidade Jongo Dito Ribeiro e Sueide Kintê) (36)
37 – Chico Buarque – “Que Tal Um Samba?” (part. Hamilton De Holanda) (37)
38 – Tim Bernardes – “Última Vez” (38)
39 – Letieres Leite & Orquestra Rumpilezz – “Coisa n° 5 – Nanã” (com Caetano Veloso) (39)
40 – AIYÉ – “Exu” (40)
41 – Moons – “Best Kept Secret” (41)
42 – Alaíde Costa – “Aurorear” (42)
43 – Criolo – “Ogum Ogum” (com Mayra Andrade) (43)
44 – N.I.N.A. – “Anna” (44)
45 – Saskia – “Quarta Obra” (45)
46 – Rashid – “Pílula Vermelha, Pílula Azul” (46)
47 – Sérgio Wong – “Filme” (47)
48 – Radio Diaspora – “Ori” (48) 
50 – Luneta Mágica – “Além das Fronteiras” (50)

* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, a baiana Josyara.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.

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