Top 50 da CENA – Bruno Berle diz “Oi” para o topo. Emicida acabou (em segundo). Caetano vem francês em terceiro

A semana esquentou. Muita coisa boa saindo junta, disco novos, promessas de discos de novos. Bruno Berle, Emicida, Amaro Freitas, Tuyo – e até o senhor férias radicais Caetano Veloso. Todo mundo saiu para trabalhar nesta semana parece.

Um dos nossos artistas favoritos hoje é o alagoano Bruno Berle. Seu inventivo som sempre ao lado do parceiro Batata Boy carrega algo que o Brasil precisa contar para o mundo inteiro. Não por acaso, Bruno trabalha com os selos gringos Far Out e Psychic Hotline. E é por eles que sairá “Reino dos Afetos 2”. Sim, parece filme e talvez seja, mas fica assim a sequência de sua estreia “Reino dos Afetos”, lá de 2022. “Dizer Adeus”, segundo single adiantado, mostra que Bruno deixa mesmo o violão de canto um pouco atrás de algo etéreo da música eletrônica lo-fi, carregando no autotune para encontrar novas texturas vocais – uma trilha sonora para sonhos na luz do dia.

Até o meio do ano, Emicida vai fazer a turnê de despedida do álbum “Amarelo”, lançado em 2019. Sem inéditas suas desde 2021 com “São Pinxiguinha”, o rapper aproveitou o momento para soltar a saideira do projeto. “Acabou, Mas Tem” soa como despedida dessa fase. Uma construção bonita que se deu numa das era mais sombrias do Brasil. É como ele faz questão de lembrar: “Ficou noite três da tarde, tio/ E a vida seguiu normal”. Emicida sabe que ainda sentimos algo, ainda que tem horas que não pareça – especialmente em conjunto. Sentimos algo? Somos um país? Perguntas que ficam para a próxima etapa. Curioso que, na capa do single, Emicida aparece com um cubo mágico resolvido, um símbolo para o fim de uma era, certo que está pronto para resolver o próximo enigma.

“La Mer” é um clássico francês que data dos anos 1940, ainda que tenha a letra composta nos anos 1920. Quase cem anos depois, Caetano torna sua a canção de Charles Trenet, uma poesia que une a figura do mar e da mãe baseado na sonoridade idêntica das palavras em francês. “O mar descrito por Trenet embala tudo, como uma mulher que nina uma criança”, escreve a jornalista Patricia Kogut, que cuidou de traduzir a letra em português para a divulgação da música. A gravação da faixa, que antecipa a última turnê mundial de Caetano, tem uma história curiosa. Foi gravada para o documentário  autobiográfico da escritora Christine Angot. Angot viu Caetano cantar a música uma vez em Paris, quando resolveu interpretar “La Mer” em homenagem a seu antigo empresário Guilherme Araújo, que sempre pediu que ele cantasse a canção, pedido esse que Caetano adiou e acabou não conseguindo atender com Guilherme vivo. Foi a homenagem póstuma em Paris que emocionou Angot. Outro detalhe interessante é como o arranjo de violão dado por Caetano remete a algumas músicas brasileiras conhecidas – a gente quase saiu cantando “O Bêbado e a Equilibrista” umas horas ali.

O pianista Amaro Freitas, do grandioso “Sankofa” de 2021, prepara novo álbum e avisa: “‘Y’Y’, meu novo disco está vindo com muita água e o som da mata, Viva Naná”, diz ele em referência a Naná Vasconcelos. O novo trabalho é fruto de andanças de Amaro por Manaus, conexão com os Sateré-Mawé, comunidade daquela região. E o transporte dessa pesquisa para a música funciona. O ambiente criado por Amaro vai te colocar dentro da floresta, vai oferecer uma nova perspectiva. Coisa boa.

Delícia o indie pop do duo A Balsa, banda paluistana de Fil (vocalista) e Bari (o cara dos sons). Eles acabaram de lançar o primeiro álbum, que tem um título que conversa muito com os nossos tempos de hiperconexão virtual: “A Semana Passou Parecendo um Mês”. E isso conversa súper com “Rede Social”, do bom verso “Eu não sei fazer/ Rede social”, que tem sentido duplo – o social aí pode ser aquele da vida real, aquela conversinha de happy hour e tals. O clima de videogame da sonoridade da banda encaixa perfeitamente na letra.

Eita, que calorzinho bom que dá essa nova canção do trio paranaense Tuyo. É como eles cantam uma hora lá na música: “Me ouvi dizendo que vontade de viver”. Seria a trilha sonora de abertura perfeita de um filme do Hayao Miyazaki ambientando no Brasil. Imagina?

“Massa”. É assim que começa “Perigo No Sol”, uma das faixas do EP “Beleza Tem Cura” do El Presidente, banda sergipana com membros e ex-membros de grupos como Cidade Dormitório e The Baggios. A amizade e parceria com Benke Ferraz adianta bem como a banda soa. Corra lá, fã de Boogarins. 

Ao longo de 2023, o rapper Kamau lançou uma série de singles curtos sem contar muito sobre cada som. Aos poucos fomos percebendo que a letra inicial de cada som formava uma palavra: “DOCUMENTÁRIO”. E agora o disco “Documentário”, então, reúne estes singles e uma inédita, que chama justamente… “Documentário”. Essa inédita é quase que a explicação do projeto: “Vozes mensais, drops mentais”. Ouvido na sequência impressiona a força do conjunto em sons e versos. É o poeta que encontra na rotina do ofício o sublime do cotidiano. Ao se impor um método de escrita e lançamento, parece que o prazo funciona como motor para a criatividade e não uma prisão, como costuma ser retratada. Métodos e metáforas possíveis. Todo dia é um milagre, a gente que não enxerga. Discaço, Kamau. Discaço.

Em uma playlist que fez com o nome de “Mormaço”, a pernambucana Sofia Freire enfileira referências interessantes: Grimes, Letrux, Sade, Kate Bush. Quando damos o play na faixa homônima, “Mormaço”, vemos como Sofia usa cada uma dessas tintas para pintar seu próprio quadro. Cada referência filtra pelo seu jeito de dosar o pincel, escolher as texturas e as formas. Sua apresentação no Spotify fala em Björk e Tetê Espíndola e ela não poderia estar mais certa. Difícil de colocar em palavras, mas tem uma originalidade vocal e lírica de Sofia que te deixará vidrado(a). É das pessoas que tão tocando a música brasileira adiante, saca?   

Após dois álbuns autorais, a baiana Josyara escolheu o dia de Iemanjá, em fevereiro, para lançar um EP dedicado ao repertório da Timbalada. Ao retirar a percussão das músicas do grupo para um formato voz e violão, Josyara dá outros tons às canções. Quer um exemplo? Diferente de Caetano Veloso, que também já verteu “Mimar Você” para voz e violão interessado em destacar sua riqueza harmônica, Josyara usa seu violão para indicar justamente onde a percussão canta e dá corpo à canção. Duas abordagens distintas que se completam. “Ralé” merece destaque também por abrir o álbum como denúncia ao genócidio que acontece agora na Palestina – mostrando como o valor político da canção original se mantém. “Muitas pessoas se utilizam da religião para massacrar outras, esquecendo que a própria figura de Jesus vem do lugar da escassez, do combate às opressões e defesa dos mais pobres. Esta é uma reflexão urgente para o mundo todo”, pontuou Josyara. A gente já botou às pressas uma música desse disco dela no top da semana passada, mas agora decidimos fazer o serviço direitinho.

11 – Mahmundi – “Estácio, Holly Estácio” (4
12 – BNegão – “Canto da Sereia” (5)
13 – Maria Maud – “02.02” (6)
14 – Pitty – “Femme Fatale” (Ao vivo) (7)
15 – Madre – “Sirenes” (8)
16 – Ayrton Montarroyos – “Peter Gast” (9)
17 – Guerra – “É Massa” (10)
18 – Céu – “Coração Âncora” (11)
19 – Raidol – “Imensidão” (12)
20 – Rodrigo Campos – “Gamei” (13)
21 – Thami – “Deixa Queimar” (14)
22 – Jup do Bairro – “Amor de Carnaval” (15)
23 – Papisa – “Dores no Varal” (16)
24 – Jorge Aragão com Rappin Hood – “Mafuá” (17)
25 – Zarolcomzê – “Magnerwoura” (18)
26 – Luedji Luna e Xênia França – “Lua Soberana” (19)
27 – Chinaina – “Roubaram Minha Jóia” (20)
28 – Tuyo – “Infinita” (21)
29 – Dead Fish – “11 de Setembro” (22)
30 – Pabllo Vittar – “Pede pra Eu Ficar (Listen to Your Heart)” (23)
31 – Apeles – Todos os Santos Permitidos” (24)
32 – Jambu – “Lentamente” (25)
33 – Vandal – Violah (26)
34 – Clara Bicho – “Luzes da Cidade” (27)
35 – Parteum – “’12 6 10” (28)
36 – Psirico – “Música do Carnaval” (29)
37 – GRIYÖ – “Afropenobeat” (30)
38 – Rico Dalasam – “Jovinho” (31)
39 – Ogoin & Linguini – “Quando Tudo Começou” (32)
40 – Marabu – “Algo Me Diz” (33)
41 – Wado – “Dente D’ Ouro” (34)
42 – Tangolo Mangos – “Glauber Rocha” (35)
43 – Don L – “Tudo É Pra Sempre Agora (com Luiza de Alexandre)” (36)
44 – Giovani Cidreira e Luiz Lins – “Amor Tranquilo” (37)
45 – João Gomes – “Mais Ninguém” (38)
46 – Mart’nália – “Lobo Bobo” (39)
47 – Perdido – “30+” (40)
48 – Lori – “Me Dói, Boy (com Matias e FBC)” (41)
49 – Juyè (com Thiago Jamelão e Alisson Melo) – “Seguir” (42)
50 – tttigo e dadá joãozinho – “SEM SEGURO” (43)

***

* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o cantor alagoano Bruno Berle.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.

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