Lô Borges: o Brasil se despede de um de seus maiores artistas, Minas Gerais se despede de um de seus maiores mineiros

Hoje o céu de Belo Horizonte amanheceu desagradavelmente cinza, com os resquícios da chuva forte da noite anterior, como quem já sabia do que mais tarde invadiria todo o noticiário nacional: Lô Borges faleceu na capital mineira na noite deste domingo, aos 73 anos de idade. 

Segundo a crítica nacional e internacional, Salomão Borges Filho é considerado um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos. É lembrado como um dos fundadores do Clube da Esquina. No entanto, com nós mineiros, Lô sempre teve uma maior intimidade: foi ele um dos grandes responsáveis por cantar a nossa trilha sonora da vida. 

Gravado entre 1971 e 1972, durante a ditadura do governo Médici, o lendário disco “Clube da Esquina” (1972) consagrou o jovem Lô Borges, na época com seus 19, 20 anos, como um importante novo talento do cenário nacional. Dividindo a assinatura da obra com o já celebrado na época Milton Nascimento, Lô explorava em suas composições, além de temáticas críticas ao contexto social e político da época, sobretudo valores da contracultura e dos aspectos da identidade regional mineira.

Juntando a complexidade rítmica e versatilidade poética e musical ao caráter espontâneo e coletivo do disco, o “Clube da Esquina” se tornou conhecido mundialmente, com regravações de astros nacionais e internacionais. O maestro Tom Jobim, inclusive, já disse que gostaria de ter composto a célebre “Trem Azul”, de Lô Borges.

Até então, na MPB da década de 1970, as canções do rádio e da TV costumavam retratar paisagens como as ruas de Salvador na Bahia, a grande metrópole de São Paulo, e as maravilhosas praias de Ipanema e Copacabana, no Rio de Janeiro.

O lado de cá, entre as serras e os trens de Minas Gerais, ainda parecia muito distante do imaginário brasileiro. E o que ninguém poderia imaginar é que um grupo de meninos do boêmio bairro de Santa Teresa, na zona leste de Belo Horizonte, seria responsável por levar essa identidade mineira para o outros cantos do planeta. 

Curioso é pensar que, apesar da sofisticação musical de sua obra, que mescla gêneros como o cool jazz, a bossa nova e o rock, Lô Borges conquistou de forma profunda, independentemente de “partido político”, “time de futebol” ou “religião”, o povo mineiro em unidade.

Como uma espécie de consenso, lamentamos: um dos nossos “patrimônios” belo-horizontinos agora se vai materialmente, para perdurar na história de forma imaterial.  

Lô Borges e Milton Nascimento nos anos 1970. Foto: acervo dos artistas

Representando a cultura simples e acolhedora dos mineiros, aqui as obras de Lô Borges ganham ruas e endereços da capital e do interior, lembram os morros e as serras, lembram de tomar café com a avó, de ouvir os pais e os tios tocando violão na roda de música, de ir com os amigos ao Bar do Bolão em Santa Teresa, que coincidentemente ou não fechou as portas há duas semanas, depois de 50 anos de funcionamento e muita música.

Também lembram de ouvir os parentes do sul de Minas dizerem que já viram o Bituca na padaria em Três Pontas, de viajar pelas estradas do interior com a trilha sonora do Clube na cabeça e de que, afinal, aqui tudo pode ser um “trem”, dos mais doidos ou dos mais tranquilos e azuis. 

Lô Borges e Beto Guedes em 2024 em show de celebração de “50 anos da música mineira”. Foto: Reprodução

Em Belo Horizonte, nasci no bairro vizinho ao dos Borges mas, logo, eu e minha família nos mudamos. Engraçado pensar que, no entanto, desde a adolescência, sempre me encontrei “migrando” para Santa Teresa nos fins de semana, inclusive, todo ano comemorando meu aniversário lá.

Não sei, deve ser a música que corre nos arredores das ruas Divinópolis e Paraisópolis, a sensação de que, de alguma forma, nós mineiros e por que não, nós músicos mineiros, temos alguma conexão a mais com as canções do Clube. Com as canções de Lô Borges.

Hoje todo o Brasil perde um de seus maiores artistas. Mas Minas Gerais, certamente, perde um de seus maiores mineiros. 

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Postado por Clara Campos   dia 03/11/2025
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