Abaixo o etarismo. Uma CENA brasileira também tem tradição e por isso nosso pódio da semana contempla dois artistas com MUITA história – Mateus Aleluia e Alaíde Costa. Por coincidências da vida, na sequência listamos dois artistas novinhos, uma paulista e outro paraense, que para falar do contemporâneo revisitam símbolos dessa tradição, eliminando a distinção entre passado, presente e futuro a fim de reconectar a gente com o que interessa. O mundo já acabou (de começar). Tempo, tempo, tempo…
O álbum anterior de Mateus Aleluia, “Afrocanto das Nações”, era um museu, composições oriundas de sua pesquisa sobre a ancestralidade ritualística musical pan-africana. Era o compositor de olho no outro. “Mateus Aleluia”, disco solo que leva seu nome, indica o olhar sobre si mesmo. Ou melhor, um mergulho, para ficar na metáfora indicada pelo mestre e sugerida já na capa do trabalho. E mergulhos profundos exigem fôlego. O álbum é composto de seis faixas longas. A mais curta fica em sete minutos e a mais extensa tem 14 minutos ao reunir três canções em uma só – um jeito interessante de evitar que os dedos apressados tenham como pegar um atalho na viagem. Nessa jornada prazerosa e contemplativa, Mateus canta muito sobre o amor e sua força implacável. “No Amor Não Mando” diz tudo no título. “O amor é minha lei” é o verso que marca a dolorida “Para Tentar Te Esquecer”. Já “Pantera Negra”, outra de amor, em suas mãos não é Marvel, é da mata. Passar esse tempinho com Mateus é encontrar ele, sim, mas se encontrar a si mesmo. É diminuir o passo na corrida. Mais: é questionar a corrida. No violão doce e na voz grave, Mateus dá sua aula de respeito à música e suas exigências próprias. Respeitemos menos o mercado e seus vícios. Só quem trata a música assim pode escrever algo da preciosidade de “Oh, música mostra-me a magia de eu só ser música”. A música que te agradece, Aleluia.
Em um dos momentos mais bonitos da música brasileira, Elza Soares aproveita o final de “Boato” para homenagear as amigas Dalva de Oliveira e Alaíde Costa imitando o canto de cada uma. É de arrepiar – e é um recado da maior voz de todas para as colegas tão grandiosas quanto. Por que lembrar disso? Porque talvez ajude a passar a dimensão do novo trabalho de Alaíde Costa. Em “Alaíde Costa, Uma Estrela para Dalva” ela recupera o repertório da amiga e referência – Dalva já era sucesso quando Alaíde era uma criança. O trabalho também dá conta da generosidade de Alaíde. Bem no momento em que a cantora, parte fundamental da bossa nova, mas injustiçada pela história, finalmente ganha seu reconhecimento, ela abre espaço não para si mesma, mas para outra pessoa que é menos lembrada do que merece. Esse canto para espantar o esquecimento, prática das mais brasileiras, vem recheado de amigos: Maria Bethânia, Roberto Menescal, Cristóvão Bastos, Filó Machado, Léa Freire, Edson Cordeiro, José Miguel Wisnik… E isso porque pegamos talvez metade da lista. Destaque para Amaro Freitas e sua versão desconstruída para a marchinha “Bandeira Branca”.
“O mundo já acabou, você só não percebeu”, canta suavemente Lua Viana na dream bossa “Queda do Céu”, inspirada no livro de mesmo nome escrito por Davi Kopenawa Yanomami. A queda do céu vem da profecia Yanomami, onde um céu já caiu por descuido dos criadores irmãos Omama e Yoasi. O segundo céu é mantido com o cuidado dos xamãs e dos espíritos das florestas. Extinta a floresta, o fim do mundo é a consequência devastadora. A faixa está “Natureza Morta”, primeiro álbum de Lua sob o codinome Antropoceno. Anteriormente ela usou o nome “sonhos tomam conta”. O álbum também é inspirado nas ideias de Ailton Krenak. “Conforme a máxima de Ailton Krenak, o futuro é ancestral. As tecnologias que poderão nos permitir uma atenuação do nosso fim do mundo pertencem àqueles povos que sempre foram fiéis em sua recusa ao projeto civilizatório, em sua ligação inalienável ao planeta, os rios, as beiras do mar, as florestas”, explica Lua. Esse jogo entre tradição e futuro se expressa justamente na ligação da tradição brasileira (samba, bossa e choro) com sonoridades associadas ao futuro – dream pop, pós-rock.
Por falar em conexão ancestralidade e futuro, muito disso acontece nas experimentações de Digestivo, artista de Belém do Pará. Em colaboração com Yvu, ouvimos um beat eletrônico carregado (sabe o som que seu computador faz quando trava? Por aí) e quebradiço, o ritmo é ancestral, é a floresta. Digestivo também parece buscar uma reconexão, musicar o que vai levar o corpo a novamente se conectar com a natureza. Reconstruir o que foi quebrado.
“Antigo e novo ao mesmo tempo, não tem nada igual”, afirma Nego Joca, rapper do Rio Grande do Sul que vai no vaporwave buscar sua forma de também quebrar o tempo – o cara tem Spotify no Walkman, iPhone com antena… Tá todo mundo brisando nisso ao mesmo tempo, será?
Ainda implicando com Julia Mestre por conta do meme da época do Bala Desejo? Reveja seus conceitos. O novo álbum dela, “Maravilhosamente Bem”, merece uma baixada de guarda de qualquer prejulgamento, porque é seu melhor trabalho até aqui. Se em “Arrepiada” havia uma ligeira desconexão dos visuais com a música, aqui o encaixe é mais certeiro: pop dos anos 80 em par com aquela saturação borrada das cores via VHS. Nas letras, a junção feliz também acontece. Julia equilibra uma escrita direto ao ponto com um texto sem mistérios, sem clichês e vícios – um ponto fraco da música pop brasileira hoje, adepta atualmente em soar vaga/vazia, vamos combinar. É pop e esperto – sexy, maravilhosamente bem. Tão Marina Lima que a própria Marina aparece no disco. A investigação pelos timbres foi tão longe que até os microfones usados foram creditados.
É fácil entender o conceito do novo álbum do carioca Pedro Dias Carneiro, aka Vovô Bebê. “Bad English” é por conta do disco ser todo em inglês. Em inglês, mas aquele inglês nosso, meio torto, meio fluente só no currículo, com um vocabulário formado por filmes e televisão. Se perdemos o bom humor imediato das letras em português, tão marcante em “Briga de Família”, ganhamos numa certa liberdade que escrever “mal” abre para a musicalidade – inspiradíssima no indie do fim dos anos 90, pense em Beck. Aliás, musicalidade bem próxima do álbum anterior, já “Bad English” foi composto no mesmo 2020, gravado em 2021 e só agora lançado. Haja paciência e sabedoria em tempos imediatistas. O time que acompanha Vovô é de primeira – Ana Frango Elétrico, Guilherme Lírio e Biel Basile – e a produção é de Chico Neves. Fino.
Todos dizem “eu te amo”. Daí que todos tentam achar outras formas de dizer “eu te amo”. Quando essa corrida cansa, voltamos ao básico. Catto volta a esse básico aqui com um (nada) simples “Eu Te Amo”. Um “eu te amo” que foi dito mesmo só da boca para fora? “Lábios são peregrinos/ Rotas de fuga/ Avenidas que nos levam a ninguém.” Catto volta também ao seu lado compositora depois de sete anos, depois de interpretar Gal, talvez sua jornada mais popular até aqui. “Eu te Amo” funciona como uma declaração para o público que chegou agora: Esta sou eu. Esta é minha intensidade. Vamos? “Caminhos Selvagens”, o novo disco, chega logo mais, já no dia 15 de maio.
Tem muita coisa no ar além dos aviões de carreira. Já ouviu falar do sinal de rádio contínuo conhecido UVB-76? É uma estação de rádio russa de onda curtas que transmite na frequência 4625 kHz um zumbido constante. Se sabe pouquíssimo sobre sua razão de ser. Esse e outros mistérios sônicos interessam o músico e produtor carioca Eduardo Manso, que explora a temática em “WOW”. Esta “FRB 20220610A”, por exemplo, destacada aqui, é inspirada na explosão rápida de rádio (FRB) detectada em 10 de junho de 2022 que viajou 8 bilhões de anos-luz até a Terra… Se um ano luz equivale a aproximadamente 9.461 trilhões de quilômetros, imagina essa viagem. Eduardo imaginou. E o passeio aqui dura 8 minutos – uma eternidade para muitos hoje em dia. Ouça.
Fazer música em casa, no quarto, é possibilidade hoje a ponto de virar um gênero – “bedroom pop”. Mas vai lá tentar. A Billie Eilish faz tudo do quarto com o irmão, como cantou Caetano em “Anjos Tronchos”, mas com verbas e apoios monstruosos. A mineira clara bicho encarou esse desafio de fazer tudo de casa. Com o tempo acumulou suas composições e foi encontrando seu som, um tanto lo-fi como pede o bedroom pop, mas com um acabamento bem do refinado, parte do seu aprendizado de como tudo funciona no mundo da música – escrever, gravar e lançar essas músicas no mundo para serem ouvidas. Muito artista consegue às vezes só uma dessas três coisas. Paciente, ela lançou seu material aos poucos, single a single. Agora o primeiro EP, “Cores da TV”, prova que a paciência é virtude. Tudo aqui soa bem aos ouvidos, “clara como a luz do sol”, diria Lulu. E, olha só, ela fez tudo junto com o irmão também! Arrepiou, Miss Bicho.
11 – Giovanna Moraes – “G G G” (6)
12 – Stefanie – “Fugir Não Adianta” (com Mahmundi) (7)
13 – Maré Tardia – “Ian Curtis” (8)
14 – Jadsa – “no pain” (9)
15 – Gabriel Ventura – “Toda Canção” (10)
16 – Tim Bernardes – “Prudência” (11)
17 – Marrakesh – “Brincos” (12)
18 – Avenida Paulista, da Consolação ao Paraíso – “No Fundo, no Fundo” (Maurício Pereira e Gui Calzavara) (13)
19 – Avenida Paulista, da Consolação ao Paraíso – “Lari” (Juçara Marçal e Georgette Fadel) (14)
20 – Avenida Paulista, da Consolação ao Paraíso – “São para Poucos” (Thalin, Cravinhos, VCR Slim, Langelo, Pirlo) (15)
21 – Vera Fischer Era Clubber – “Lololove U” (16)
22 – Celacanto – “Quadros” (17)
23 – João Gomes, Jota.pê e Mestrinho – “Pontes Indestrutíveis” (18)
24 – Tagua Tagua – “Let It Go” (19)
25 – Josyara – “Eu Gosto Assim” (20)
26 – Terno Rei – “Peito” (21)
27 – Rachael Reis – “Jorge Ben” (22)
28 – Pélico – “Te Esperei” (com CATTO) (23))
29 – Bella e o Olmo da Bruxa – “A Melhor Música do Mundo” (26)
30 – Gab Ferreira – “Carrossel” (27)
31 – Enme – “Esperando o Sinal” (com FBC) (28)
32 – Marina Sena – “Anjo” (29)
33 – Mahmundi – “Irreversível” (30)
34 – Superafim – “MOUTH” (com Duda Beat) (31)
35 – Rael – “Onda (Citaçaõ A Onda) (com Mano Brown e Dom Filó) (32)
36 – Leves Passos – “Ecos do Invisível” (33)
37 – Cajupitanga e Arthus Fochi – “Flamengo” (34)
38 – Djonga – “Demoro a Dormir” (com Milton Nascimento) (35)
39 – Jovens Ateus – “Mágoas – Dirty Mix + Slowed Reverb” (36)
40 – Danilo Moralles – “Fervo de Amor” (37)
41 – Ogoin & Linguini – “Vícios Que Eu Gosto” (38)
42 – Bufo Borealis – “Urca” (39)
43 – Terraplana – “Todo Dia” (40)
44 – Marina Melo – “Prometeu” (com Maurício Pereira) (41)
45 – Apeles – “Mandrião (Vida e Obra)” (42)
46 – ÀIYÉ e Juan De Vitrola – “De Nuevo Saudade” (43)
47 – Dadá Joãozinho – “As Coisas” (com Jadidi) (45)
48 – Gabriel Ventura – “Fogos” (48)
49 – Nyron Higor – “São Só Palavras” (49)
50 – BK – “Só Quero Ver” (com Evinha) (50)
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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o grande Mateus Aleluia.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.