Semana passada foi a vez do noise por aqui. Agora é a vez do rock brasileiro. Sim, o rock brasileiro está vivo e melhor do que nunca. Muito mais esperto, antenado e diverso. É como se o gênero que envelheceu mal no Brasil na mão de muitos músicos reacionários tivesse sendo retomado pelos jovens. Legal de ver e ouvir.
Se o rock brasileiro deixou de ser mainstream, parte do problema é sua crise criativa. E na conta dessa falta de imaginação pouco se fala de problemas estruturais como racismo e classicismo. “O rock não é um gênero para o negro”, disse Seu Jorge há dez anos e muita gente fez questão de não entender sua frase. Ele estava falando do gênero no Brasil, sempre muito branco, sempre ou quase sempre muito rico. Mateus Fazeno Rock encarou a questão. Cresceu amando as bandas de rock que ouvia no rádio e na TV e achou que não era para ele aquilo. Resolveu confrontar, resolveu ser mais que um artista, ser um processo coletivo – Fazeno Rock é mais que Mateus. Em seu terceiro álbum, “Lá na Zárea Todos Querem Viver Bem”, esse processo se solidifica ao trazer a melhor sonoridade possível para suas ideias. As limitações de orçamento e equipamentos já não limitam as ideias. E aí Mateus esbanja o que o rock pode ser no Brasil. E pode ser muito mais que lamúrias de adultos mimados e reclamões.
“Você, um susto que eu gosto.” Como escrever uma canção de amor sem dizer “Eu te amo” e sem soar piegas? O Pelados faz isso na estranha “Estranho Efeito” e sua forma toda desconjuntada e charmosa de ser, da batida meio quebrada sobrepondo tudo até a voz quase sussurrando a letra. A música está em “Contato”, próximo álbum da banda formada por Lauiz, Vicente Tassara, Helena Cruz, Theo Ceccato e Manu Julian. Já ouvimos e olha, a listinha de melhores do ano tem novidade.
Se o Pelados foi longe nas metáforas e batidas quebradas para cantar o amor, o excelente duo mineiro Paira usa os mesmos recursos para falar do fim do amor. Eita nóis. Aqui o relacionamento é uma casa toda destruída. A track estará no segundo EP da dupla de BH. integrada por por Clara Borges e André Pádua.
Cícero é dos muitos artistas que viram um punhado de ideias se perderem com a pandemia. Seu álbum “Cosmo”, lançado justamente em março de 2020, não teve sorte. Do baque veio seu maior tempo em silêncio desde sua estreia. As pancadas e belezas da vida agora aparecem em um conjunto bonito chamado “Uma Onda em Pedaços”, talvez o álbum onde Cícero mais bem equilibre seu lado violãozinho com uma faceta mais interessada em experimentações minimalistas (até rap tem no disco!).
Foi uma baita sacada quando a Rihanna simplesmente pegou a base de “New Person, Same Old Mistakes”, do grupo indie australiano Tame Impala, e meteu a própria voz. E lá se vão quase dez anos do ótimo “ANTI”. A “nossa” Duda Beat fez agora uma versão brasileira desse evento ao pegar a base da sexy “Foi Mal”, do Boogarins, e colocar a voz dela no EP “Esse Delírio”.
Sendo um pouco crítico demais, dá para dizer que o rock brasileiro, especialmente a partir dos anos 1970 e 1980, aprendeu a falar português abdicando um pouco do que de mais torto tem na sonoridade do rock feito em inglês. Um truque, em especial, foi deixar sempre a voz muito acima do instrumental. Com o tempo, essas limitações foram sendo quebradas, soluções foram encontradas. Mesmo assim, nos anos 1990, para dialogar com o indie rock barulhento de Sonic Youth e cia, muitas bandas brasileiras voltaram ao inglês para dar encaixe. No caso de Eliminadorzinho, que tem seu nome inspirado em uma música dos Youth, essa barreira do idioma parece nunca ter existido. O artista conecta perfeitamente a barulheira noise com letras em bom português, resolvendo uma questão fonética de décadas. Ouça e ateste.
Todas as músicas em “Feroz Comum Silêncio entre Nós… Pt.1”, novo álbum de Lau e Eu, terminam com reticências. Dos muitos significados possíveis, o próprio Lauckson Melo, dono da persona Lau e Eu, conjectura se tratar do não dito em qualquer relação humana. “Percebi que muita coisa não se resolve conversando”, escreve o compositor. Parte do que fica no ar está em “O Sonho de Minele” e sua melancolia de fim de tarde ao relatar os dias seguintes a um término de relacionamento, prova da capacidade do compositor em traduzir sentimento em forma de música…
Não muito depois de ter virado pai, Rashid perdeu o próprio pai. A dureza do processo de luto e das muitas reticências nessa relação viraram o single “Conversas Que Nunca Tivemos”, onde o rapper desfila com sinceridade crua os lados bonitos e os nem tão bonitos assim da relação de pai e filho. A conversa pessoal que ressoa na vida de geral, afinal, dores compartilhadas por todo mundo, praticamente.
Cida Moreira e Rodrigo Vellozo construíram no palco sua relação musical ao reunirem suas vozes e pianos para remontar canções de compositores diversos: Benito di Paula, Rodrigo Campos, Arlindo Cruz e Zeca Baleiro. Um ano e muitas apresentações depois, o espetáculo ganha vida em disco, “Com o Coração na Boca”, reunindo parte do repertório dos palcos, mas registrando a totalidade da intensidade das interpretações. Os dois pianos conversam, sacodem, repercutem o cantar e transformam sambas em peças dramáticas, como se revelassem o que a composição original sempre quis dizer, mas estava escondido. Maior exemplo disso, “Velocidade da Luz” e sua letra desesperada.
Não nos lembramos de ver a Bike, uma das nossas bandas psicodélicas mais queridas aqui e lá fora, tão sacolejantes quanto em “Sucuri”. O single antecipa o próximo disco da banda de São José dos Campos, “Noise Meditations”, previsto para setembro. Ao que parece, rodar o mundo fez eles ficarem mais brasileiros ainda. A letra interpreta uma lenda dos indígenas Kaxinawá.
11 – Joca – “BADU & 3000” (com Ebony) (6)
12 – Marabu – “Rubato” (7)
13 – DO PRADO – “Um Dia de Sol” (8)
14 – Berlim do Pará – “Dias por Ardor” (9)
15 – AMANDONA! – “Se Eu Soubesse Como” (com Letrux) (10)
16 – Crizin da Z.O. – “Fatal” (com Edgar) (11)
17 – Mahmundi – “Macia Bahia” (12)
18 – YMA – “2001” (13)
19 – Ogoin e Linguini – “Sorte de Amor” (15)
20 – Rico Dalasam – “Dilema” (16)
21 – Walfredo em Busca da Simbiose – “Iridescência” (18)
22 – Clara Lima – “PHD” (19)
23 – Don L – “Iminência Parda” (21)
24 – Lupe de Lupe – “Vermelho (Seus Olhos Brilhanto Violentamente Sob os Meus)” (22)
25 – Joyce Moreno – “Um Abraço no João” (com Jards Macalé) (23)
26 – Bersote – “Desceu Amargo” (24)
27 – Luedji Luna – “Bonita” (com Alaíde Costa e Kato Change) (25)
28 – Marrakesh – “Cão” (26)
29 – Joaquim – “Emboscada” (27)
30 – Zé Ibarra – “Segredo” (29)
31 – Jadsa – “Samba pra Juçara” (30)
32 – Mateus Aleluia – “No Amor Não Mando” (32)
33 – Alaíde Costa – “Bandeira Branca” (com Amaro Freitas) (33)
34 – Antropoceno – “Queda do Céu” (34)
35 – Eduardo Manso – “FRB 20220610A” (35)
36 – clara bicho – “Meu Quarto” (36)
37 – Stefanie – “Fugir Não Adianta” (com Mahmundi) (37)
38 – Maré Tardia – “Ian Curtis” (38)
39 – Vera Fischer Era Clubber – “Lololove U” (39)
40 – Josyara – “Eu Gosto Assim” (40)
41 – Rael – “Onda (Citação A Onda) (com Mano Brown e Dom Filó) (41)
42 – Cajupitanga e Arthus Fochi – “Flamengo” (42)
43 – Jovens Ateus – “Mágoas – Dirty Mix + Slowed Reverb” (43)
44 – Terraplana – “Todo Dia” (44)
45 – Apeles – “Mandrião (Vida e Obra)” (45)
46 – ÀIYÉ e Juan De Vitrola – “De Nuevo Saudade” (46)
47 – Dadá Joãozinho – “As Coisas” (com Jadidi) (47)
48 – Gabriel Ventura – “Fogos” (48)
49 – Nyron Higor – “São Só Palavras” (49)
50 – BK – “Só Quero Ver” (50)
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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, .
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.