
Entre as mil realidades paralelas possíveis, gostamos dessa onde podemos ouvir no mesmo país um pouco de música psicodélica, música meditativa, música de protesto, música que nunca foi imaginada antes. O Brasil tem tudo isso. É questão de olhar com mais carinho, essa é a resposta.

A simbiose é “uma associação a longo prazo entre dois organismos de espécies diferentes”. Isso talvez cause estranheza e talvez seja para causar mesmo, mas a busca de Walfredo, essa encarnação artística de Lou Alves e sua trupe, só quer uma conexão especial com o ouvinte. Sim, você mesmo. Você que também foi ovelha negra da sua família (“Rita Lee”), você que observa o “Zum Zum Zum das Abelhas”. Você é diferente, você sabe. Venha sem medo para o “Mágico Imagético Circular”, novo álbum do Walfredo.
Mateus Aleluia não sai de casa sem bom motivo. Daí que quando ele aparece em um feat. nossa atenção se volta imediatamente. E ele colou com a mineira Bella Guerra para pedir à deusa música licença para cantar. Como um bom encontro de rios, a beleza se dá no grave de Mateus em consonância com a voz leve de Bella. É como pedir bênção aos mais velhos. Sinal de respeito e sabedoria dos jovens. A canção estará em seu primeiro álbum, “Marés”.
Por falar em tirar o mestre de casa, só o cubano Silvio Rodriguez, espécie de Chico Buarque cubano, para tirar o nosso Chico Buarque, o brasileiro, para trabalhar. Em uma coletânea dedicada ao material do Silvio, Chico regrava sua favorita: “Pequeña Serenata Diurna”. A canção, que faz alusão à “Pequeña Serenata Nocturna” de Mozart, já tinha sido gravada por Chico em 1978 e ele e Silvio chegaram a cantá-la ao vivo na Argentina em um show celebrando a vida de Che Guevara em 1997. É dela os cortantes versos: Soy feliz/ Soy un hombre feliz/ Y quiero que me perdonen/ Por este día/ Los muertos de mi felicidad”. Só quem sabe o preço alto da liberdade para escrever algo assim. Foda.
Dizem que é chocante ver o planeta Terra do espaço por mil razões: a vista em si, seu tamanho e os territórios sem divisões. Talvez seja assim que João Parahyba veja a música. Um mapa sem limites territoriais. Porque em “Mangundi”, seu novo álbum solo, o experiente músico junta os melhores ritmos em encontros improváveis – só ouvir “Forró World” e sua intrincada amálgama de forró com jazz. Os gringos vão chamar de world music por falta de palavra melhor, mas é música sendo música – louco que não é todo dia que deixam isso acontecer.
Chico Chico é daqueles caras de verdade. Ficamos sabendo que no dia em que tocou em Ribeirão Preto, na semana de lançamento de “Let It Burner/ Deixa Arder”, ele colou no bar mais maneiro da cidade, o Guadalupe Café, e não no tradicional Pinguim – ainda que o chopp seja maravilhoso… E, se você achar que a escolha do bar não define o caráter da pessoa, pelo amor. Vai dormir. Dito isso, maneiro seu álbum novo. Longo para os padrões modernos, são 20 músicas que reapresentam o cantor, agora mais popular após emplacar alguns singles grandões. Não abre mão do seu lado rico de compositor e tem a manha de mexer nos clássicos igual a mãe, tipo sacar do nada “Girl from the North Country”, do Dylan.
Um novo olhar para o mundo e você não está mais no mesmo lugar. Tori acredita nisso e tira a gente da mesmice ao mostrar a natureza que corre pelas cidades através dos rios que passam pelos céus (“Rios Áereos”), a força da música no universo (“Harmonia É do Mundo”) ou amor responsável pela gente, o amor dos avós (“Júlia e Bebéu”). Deslocar do comum. Ser lírico no real. Enxergar o invisível. Ela é areia mostrando os caminhos do vento em dunas. Faz sentido contrair seu nome, Vitória, para o pouco usual Tori. São tentativas do novo. Roubando uma frase do filósofo alemão Hebert Marcuse, ela nos traz o ar que nós também queremos respirar um dia.
Por falar em inversões e deslocamentos, Janine Mathias cruza o conhecido caminho entre o samba e o rap pela rota contrária, como indica o nome de seu novo álbum, “O Rap do Meu Samba”. É assim que vemos, por exemplo, o quanto de rap já morava no versado de Leci Brandão, na clássica “Deixa pra Lá” de 1976, um samba sobre coragem e resiliência. “Amanhã será melhor”.
Flau Flau é uma artista da Paraíba que chega anunciando que faz “rock do seu jeitinho”. E o jeitinho é bom, viu? Fã de Boogarins, ficou amiga de Dinho dez anos atrás, quando coloca em todos os shows possíveis da melhor bandinha de rock do Brasil. Corta para 2025 e temos Flau Flau produzindo sons com Ynaiã Benthroldo e Dinho, que participa dos vocais de “Bye Bye”. Essa música sobre ir atrás de ser alguém é muito inspirada justamente na vontade Flau Flau de seguir sua banda predileta. “Fui e vou pra tantos shows porque as músicas dos meninos e de Dinho me fazem sonhar e vibrar muito forte, ter vontade de viver. É disso que trata ‘Bye Bye’”. Sabe o papo de “quem estraga é o fã-clube”, né? Não é o caso aqui.
Por falar no Boogarins, a banda celebra os dez anos do álbum “Manual” com uma edição de luxo com demos, remixes, versões estendidas e material ao vivo. Difícil não se apegar nesta versão ainda em rascunho da maravilhosa “Benzin” ou na mix 2014 de “Avalanche”, que dá outro gás na música. Boogarins já é história, que bom.
“Um hotel, onde cada porta guarda um tema, mistérios, demônios. Compor o disco foi como mapear esse território psíquico”, é assim que Yma descreve seu segundo álbum, “Sentimental Palace”. Na sala de “Rita”, cantanda com Sophia Chablau, encontra Yma às voltas com um amor que não cabe nas regras da monogamia, mas onde cada escapada ainda fere sabe se lá por qual razão: “Na janela corta ansiedade tóxica/ Minha boca sangra”.
11 – Silvia Machete e Teago Oliveira – “Pessoa Nefasta” (6)
12 – Carlos Dafé – “Jazz Está Morto” (7)
13– Pelados – “Modric” (8)
14 – Gab Ferreira – “Começos” (9)
15 – Lorena Moura – “Quis” (10)
16 – Lucas Santtana e Gilberto Gil – “A História da Nossa Língua” (11)
17 – Jup do Bairro e Negro Leo – “A ÚLTIMA VEZ QUE VOCÊ F*** COMIGO” (12)
18 – Juçara Marçal – “Damião” (13)
19 – Vanguart – “O Mais Sincero” (14)
20 – Varanda – “Não Me” (15)
21 – Teago Oliveira – “Desencontros, Despedidas” (16)
22 – Urias – “Voz do Brasil” (17)
23 – Tasha & Tracie – “Serena & Venus” (20)
24 – Sophia Chablau & Felipe Vaqueiro – “Cinema Total” (21)
25 – PUSHER174 – “Eu Sou do Contra” (22)
26 – Oruã – “Casual” (23)
27 – Douglas Germano – “Tudo É Samba” (24)
28 – Eliminadorzinho – “Você Me Deixa Coisado” (25)
29 – Valentim Frateschi – “Mau Contato” (com Sophia Chablau) (28)
30 – Chico César – “Breu” (29)
31 – Supervão – “Love e Vício Em Sunshine (Ao Vivo)” (30)
32 – Nina Maia – “Manha” (31)
33 – Mateus Fazeno Rock – “O Braseiro e as Estrelas” (33)
34 – Joca – “BADU & 3000” (com Ebony) (34)
35 – Marabu – “Rubato” (35)
36 – Don L – “Iminência Parda” (36)
37 – Lupe de Lupe – “Vermelho (Seus Olhos Brilhanto Violentamente Sob os Meus)” (37)
38 – Zé Ibarra – “Segredo” (38)
39 – Jadsa – “Samba pra Juçara” (39)
40 – Mateus Aleluia – “No Amor Não Mando” (40)
41 – Stefanie – “Fugir Não Adianta” (com Mahmundi) (41)
42 – Vera Fischer Era Clubber – “Lololove U” (42)
43 – Cajupitanga e Arthus Fochi – “Flamengo” (43)
45 – Apeles – “Mandrião (Vida e Obra)” (45)
46 – ÀIYÉ e Juan De Vitrola – “De Nuevo Saudade” (46)
47 – Dadá Joãozinho – “As Coisas” (com Jadidi) (47)
48 – Gabriel Ventura – “Fogos” (48)
49 – Nyron Higor – “São Só Palavras” (49)
50 – BK – “Só Quero Ver” (50)
***
* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, a banda Walfredo em Busca da Simbiose.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.