Menos caos e mais pop: Doja Cat segue imprevisível em novo álbum obcecado pelos anos 80

O novo álbum de Doja Cat chegou nesta sexta-feira, acompanhado do novo single “Gorgeous, e já foi criticado pela capa. Com uma virada aos anos 80, a rapper diz que busca mais diversão do que confronto. Mas, neste que é seu projeto mais ambicioso até hoje, parece que ela quer muito mais do que isso.

Doja Cat construiu sua extravagante carreira sob a filosofia que segue para idealizar suas performances: “Não é sobre estar bem sozinha, é sobre se sentir bem sozinha”. Não ter medo do que sente e do quão solitária essa coragem pode ser foi o que estabeleceu seus altos e baixos, mas acima de tudo fez dela a artista disruptiva e experimental que ela tanto preza em ser. Agora, ela volta mais destemida do que nunca para retomar aquilo que ela sabe que faz muito bem: cantar pop.

“Vie”, seu quinto álbum de estúdio, da capa acima, abre com a impactante “Cards”, num prenúncio de que será o álbum mais musicalmente rico da sua carreira. Com produção de Jack Antonoff, foi gravado no Electric Lady Studios, com instrumentos e ferramentas que Doja confessa nem saber para que servem, mas que foram primorosamente inseridos na fórmula neo-oitentista que ela assina aqui.

Mais do que ocasionar as intersecções entre seus públicos, Doja parece apreciar as disjunções entre os seus fãs, e o primeiro single de “Vie” é um exemplo disso. “Jealous Type” é marcada por sintetizadores dos anos 80, mas tem versos melancólicos com subtons de Billie Eilish em letra e vocais, quando ela caminha para o refrão, confessando: “I’m so overtired/ I will not wait in this line/ Never seen you cry”.

Tanto a vibe quanto a estética retrofuturista de “Vie” consolidam a artista que tanto Doja quanto o mundo sentem que ela é: inatingível. Entre o passado e o futuro, o amor e a fúria, você nunca sabe realmente onde ela está. Doja Cat se mantém em duplo sentido como na faixa de abertura: “A little more back and forth/ A little more catch and throw, baby”.

Um dos elementos que mais empolga a rapper neste retorno ao pop é aquilo que ela chama de “lazy eighties”, com suas batidas simples e cativantes por si só, mas com textura densa, reverb e synths brilhantes. Essa é basicamente a estrutura da vibrante “AAAHH MEN!” que é superlativa até no título. Nessa linha também seguem “Gorgeous”, “Take Me Dancing” (com participação de SZA), “Silly! Fun!” e “Happy”, que devem funcionar muito bem nas pistas com hooks envolventes e bateria frenética.  

Mesmo nas faixas como “Stranger” em que Doja é o mais pop que ela já foi, a rapper sempre se faz presente. Em todo esse alto astral dos anos 80, na verdade, seus demônios sempre parecem prestes a sair como se estivessem escapando do sótão escuro de uma mansão iluminada. E ela sabe dosar isso muito bem, criando sempre uma expectativa de que essa tensão apareça. 

De qualquer forma, a popstar declara que “Vie” é “um álbum que cresceu de suas sessões de terapia” e é a obra de uma artista que busca ser ela mesma não como um confronto, mas como “uma busca por um lugar seguro e confortável”.

Até recentemente, não era assim. Os episódios de aparente desprezo pelos fãs, os posicionamentos polêmicos, o marketing de alto risco e o rebranding profundo que faz em cada era da sua carreira, fazem com que você sempre siga seus movimentos mantendo suas reservas, não porque ela não é confiável, mas porque é totalmente imprevisível.

Em tese, “Vie” (“vida” em francês), com suas letras sobre amor e estética fashionista, apresenta “uma proposta mais simples para lidar com a vida caótica”, nas palavras da própria Doja Cat. Desde o primeiro contato, no entanto, o álbum vai muito além da sua premissa hedonista. 

O título também remete ao algarismo romano V, que ela tatuou perto do pescoço, e a moda parisiense dos visuais dialoga com o pop europeu dos anos 80 e 90. O glamour clássico desta nova fase vem carregado de ironia e referências a ícones como Grace Jones, lembrando que, mesmo – supostamente – despretensiosa, sua imagem continua a projetar uma estrela inatingível.

Essa imagem, contudo, não se reduz à fama ou ao glamour, pois traduz a aura que geralmente envolve a genialidade. Em “All Mine”, Doja evidencia esse elemento com o que parece uma menção honrosa ao Prince, artista que, sem dúvida, é uma referência para ela e com quem partilha camadas de inesperado, traços difíceis de aceitar e, claro, o lugar solitário dos _ aspirantes a _ gênios.

“Vie” representa, de fato, uma evolução de tudo o que Doja Cat já fez, embora seja bastante diferente do que veio antes. Novamente, ela assume partes verdadeiras de si mesma, mas sem se colocar na defensiva. Pela primeira vez, declara estar em um ponto da carreira de onde consegue antecipar seus arrependimentos, mas certamente, em “Vie”, não há nada do que ela possa se arrepender depois. 

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* “Vie”, de Doja Cat, foi lançado nesta sexta-feira.
** Nesta semana, Doja Cat apareceu na primeira linha das grandes atrações do espetacular festival espanhol Primavera Sound, de Barcelona, junto com The Cure e The XX.
*** A foto de Doja Cat usada para este post é de Greg Swale e saiu na “Rolling Stone” americana.

**** Mariana Perizzolo, autora deste texto, é pessoa que veste preto e tem gato laranja, é estrategista de conteúdo para marcas, aluna do doutorado em Literatura Comparada da USP e escreve sobre cinema, TV, teatro e música para grandes portais, tipo a Popload. 

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Postado por Lúcio Ribeiro   dia 26/09/2025
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